A era das inovações
maio 23, 2016 § 1 comentário
Creio de que há pouca disputa em relação à crença de que a inovação está diretamente ligada ao crescimento econômico. Os defensores desta tese ganharam este ano um pouco mais de estofo em sua argumentação. Trata-se da excelente pesquisa feita pelo economista Robert J. Gordon, publicada sob o título “The Rise and Fall of American Growth”. Nela, Gordon analisa o constante fluxo de inovação que revolucionou o modo de vida do mundo no espaço de meros 100 anos – de 1870 a 1970. Aborda também os motivos pelos quais esse fluxo se arrefeceu entre os anos 1970 e 2016, apesar da sensação trazida pelas inovações digitais das 2 últimas décadas.
Como o título do livro sugere, a pesquisa foi feita com base na história e experiência dos EUA. Um dos motivos, é o fato do período analisado marcar também um dos períodos com maior registro sociológico da humanidade e em particular, dos EUA. A popularização da imprensa é uma das razões para tal. Outro motivo, é o fato do período marcar também a ascensão do país como superpotência, com influência marcante no modo de vida do restante do mundo. Isto é inclusive o que faz o livro transcender a análise local e poder ser utilizado – obviamente fazendo as devidas correções e concessões a diferenças culturais e de desenvolvimento local – como um “retrato” do impacto das inovações no desenvolvimento da humanidade no período. Os saltos de 50 anos da análise, também contribuem para colocar em perspectiva as informações apresentadas. Nas próximas linhas, tentarei dar uma visão resumida do que o livro traz em 780 páginas. Chamo a atenção para o fato de não pretender resenhar o livro, apenas compartilhar minhas impressões e entendimentos.
1870
Com o fim da Guerra Civil, os EUA buscaram se reconstruir com base na integração. O grande marco foi a construção da primeira ferrovia intercontinental, que ligou as grandes cidades do Leste à Califórnia e, diga-se de passagem, também a milhares de pontos pelo caminho. Comparada com os padrões atuais, a vida da época era extremamente difícil. As casas eram iluminadas por velas ou óleo de baleia, apenas ¼ da população vivia em grandes cidades e a dieta era à base de carne de porco.
A razão pela qual os norte-americanos davam preferência ao porco se devia ao fato de serem animais que vivem em praticamente qualquer lugar (ao contrário dos bovinos, que demandam largas extensões de pasto) e sobrevivem facilmente com restos de comida. Além disto, a carne ao ser salgada ou defumada, podia ser preservada por um longo período. Como não existia refrigeração na época, raramente se produzia vegetais frescos (como alfaces), se dava preferência aos que podiam ser armazenados como abóboras, batatas e feijões. A única fruta largamente consumida era a maçã. Muito pelo fato de ser transformada em cidra ou brandy (uma espécie de conhaque).
Fazendo uma rápida comparação com o Brasil, não estávamos muito atrás. Foi o período final da Guerra do Paraguai e de uma inicial industrialização, muito por conta de iniciativas individuais como a do Barão de Mauá, mas que em certo momento foram “brecadas” pelo imperador – afinal eramos uma sociedade agrária. Nossa força de trabalho era escrava, o que não contribuía para a formação de um mercado consumidor. Pelo menos no quesito da dieta, a nossa era mais rica em termos de proteínas, vegetais e frutas.
A grande inovação do período foi o banheiro moderno. A criação da toalete (mais conhecida entre nós como privada) foi a força motriz da construção dos primeiros sistemas de águas e esgoto, que embora jogassem os dejetos diretamente em rios e mares, começou a contribuir para a percepção da importância sanitária na preservação da saúde. Também há a mudança da matriz de transportes, de cavalos e charretes para trens e embarcações à vapor. Isto permitiu, nos EUA, a criação de um incipiente mercado consumidor nacional, além de contribuir para a melhoria da qualidade de vida nas cidades – levando em consideração que um cavalo produz 20 kg de fezes e mais de 3 litros de urina por dia, o impacto não foi pequeno.
Em tempo, no período, a circulação de jornais alcançava 2,5 milhões de pessoas em uma população de cerca de 40 milhões.
1920
Com o final da I Guerra Mundial e com a Grande Depressão ainda por vir, o período marcou um salto enorme em relação aos 50 anos anteriores. As casas se tornaram mais “conectadas”. O sistema elétrico provia iluminação – sem gerar fumaça – redes urbanas mais robustas proviam água limpa em abundância e um sistema aprimorado de esgoto levava o cheiro e os dejetos para longe de boa parte da população. Os telefones já eram largamente utilizados e permitiam a comunicação em longa distância.
As inovações não foram apenas tecnológicas, mas urbanas. As grandes cidades receberam a classe trabalhadora, que pôde contar com apartamentos a preços acessíveis – também eram permitidos a construção de pequenas casas por conta própria. Em Chicago, por exemplo, a loja de departamento Sears vendia um “kit” de materiais pré-fabricados que permitiam a construção de uma casinha em 356 horas de trabalho manual. É claro que não existiam leis ambientais ou departamentos para supervisão urbanística (um levantamento mostrou que cerca de 40% das construções existentes em Manhattan não seriam permitidas pela legislação americana atual).
O número de hospitais cresceu de 120 em 1870 para 6000 em 1920 e a medicina se tornou mais uma ciência do que curandeira, com inúmeras especializações. Embora inovações na área ainda estivessem por vir, como os antibióticos, apenas a popularização dos serviços de águas e esgotos melhorou em 5 vezes a taxa de mortalidade.
Outra revolução foi nos transportes, o veículo automotivo começava a sua caminhada revolucionária, pulando de 8000 em 1900 para 23 milhões em 1929. Trens, bondes e metrôs reduziam distâncias e facilitavam a vida de quem morava nas cidades. Uma viagem de trem de Nova York a Chicago passou de 38 horas em 1870 para 24 horas em 1920 e 16 horas em 1940.
Foi também o início da era da comida processada e das geladeiras (eram chamadas de “icebox”). Estas duas inovações revolucionaram o modo de vida das pessoas, que começaram a ter disponíveis vegetais frescos durante o ano todo. Para efeito de comparação, o “café da manhã” típico em 1870 era composto de carne de porco e polenta, em 1920 era corn flakes (o nosso sucrilhos) e suco de laranja. Apesar disto, a “cozinha” da época não seria reconhecida nos nossos dias, não existia máquina de lavar (louça ou roupa) e as tomadas não possuíam modelo padrão. Mas, o cachorro-quente já era popular (foi criado em 1900 em Coney Island – Nova York) e o hambúrguer estilo americano dava seus primeiros passos, graças à forte imigração alemã.
O mercado consumidor já era bem desenvolvido, com cadeias de lojas que existem até hoje. Mas a grande inovação do varejo foram os supermercados. Outra grande inovação foi a entrega de encomendas via correios. Em 1900, apenas a Sears já recebia cerca de 100 mil pedidos por dia e seu catálogo de produtos vendia quase de tudo (não é à toa que o e-commerce se desenvolveu rápido em uma sociedade já acostumada a fazer negócios por via não presencial).
Outro fator de inovação foi a informação, não eram entregues apenas produtos na porta das casas americanas, jornais também. De 1910 a 1930, uma residência típica recebia em média 3 jornais diários. A era da informação eletrônica ainda não havia iniciado em 1920, mas a primeira estação de rádio “abriu as portas” neste mesmo ano e em 1923 já eram cerca de 550. Além disto, o fonógrafo já era largamente popular e o cinema, um sucesso absoluto, com quase o dobro de espectadores semanais do que hoje (levando em conta uma população relativamente menor).
1970
Muitas das inovações que começaram por volta de 1920 já eram parte fundamental da vida diária em 1970. Principalmente nas áreas de transporte e comunicações. Viagens aéreas já eram bem mais comuns e deixaram para trás as viagens transcontinentais de trem – fazendo em algumas horas a distância que era cruzada em vários dias. Para muitos, as viagens de avião nos anos 1970 eram mais prazerosas, com bebidas e comidas de alto nível sendo oferecidas e cadeiras bem mais espaçosas do que as atuais – verdade seja dita, alguns destes mimos sobrevivem até hoje, chama-se primeira classe. Eram tempos de viagens supersônicas, via Concorde, que possibilitavam quem podia pagar, almoçar em Paris e jantar em Nova York no mesmo dia.
Os carros também traziam inovações futurísticas se comparadas com os modelos de 50 anos antes. Em 1920, o Modelo T da Ford tinha que ser ligado à manivela. Em 1970 o Ford Mustang chegava à 100 km/h em questões de segundos e era equipado com rádio e ar-condicionado.
O ar-condicionado, inclusive, é uma inovação revolucionária a seu modo. Lançado pela primeira vez em 1923, ao longo de meio século impulsionou o aumento da população em cidades de clima quente. As casas norte-americanas tornaram universais tecnologias já populares, como energia elétrica (presente em 100% delas) e água corrente (em 98% delas). Geladeiras também atingiram os 100% de presença em 1970, com a sua qualidade muitas vezes superior às da década de 20 e preço muitas vezes inferior.
A dieta também mudou. Os norte-americanos consumiam bem menos porco e bem mais galinha e peru. A quantidade de vegetais frescos também diminuiu a medida em que diminuiu o número de pessoas morando no campo. As grandes cidades davam preferência à legumes em conserva e enlatados. Margarina substituiu a manteiga. Os supermercados passaram a ocupar mais espaço, criando os hipermercados. Para efeito de comparação, um supermercado em 1920 estocava cerca de 600 itens, em 1950 por volta de 2200 e em 1985 mais de 17000.
A comunicação em massa mudou radicalmente a forma de diversão das pessoas. Enquanto em 1920 as opções eram fonógrafo e cinema-mudo, em 1970 já haviam TV a cores, rádio e filmes com sons épicos nos cinemas. Os canais de TV, aliás, sem a concorrência nem do videocassete, batiam recordes e mais recordes de audiência.
2016
Aviões e automóveis ficaram mais seguros e rápidos. Inovações incentivadas pela melhoria da segurança são as grandes mudanças nos transportes: cintos de segurança, air-bags, legislação mais pesada contra abuso de álcool e restrições à cigarros ajudaram a salvar vidas, mas aviões maiores, assentos menores, máquinas de raio-x e procedimentos de embarque tornaram a experiência de voar mais frustrante – em 1940 era possível chegar 10 minutos antes de um voo, comprar passagem e embarcar. No quesito alimentação, o consumo de vegetais e frutas frescas voltou a aumentar, assim como o acesso a culinárias de diferentes culturas modificou os hábitos alimentares de milhões de indivíduos ao redor do mundo.
De 1970 para cá, a grande inovação em termos de eletrodoméstico foi o micro-ondas. Os demais tiveram alterações bem triviais, como mais eficiência aqui, um ganho ergonômico ali, menos necessidades de reparos. A verdade é que uma casa dos anos 1970 funcionava de forma bem parecida com uma de 2016. Ninguém se acharia colocado em um mundo diferente se por acaso trocasse de época.
Quer dizer, se não fosse colocado em frente a um computador. As grandes inovações nos últimos 46 anos se deram na tecnologia da informação e do entretenimento. O cliché da TV ir de 3 canais a 300 não conta toda a história. Os próprios aparelhos de TV passaram de 19 a mais de 50 polegadas e com uma definição de imagens que as tornam quase vivas. Filmes e programas estão disponíveis a qualquer hora, por meio de streaming e on-demand, tornando a “emissora de TV” quase irrelevante.
E tem também a internet. O impacto dela, apesar de ainda não ter sido completamente explorado e entendido, vai além de disponibilizar toda a produção notável da humanidade em termos de informação, literatura, arte-visual e plástica. O acesso portátil colocou este “poder” nas mãos de cada indivíduo dotado de smartphone e vem alterando a maneira como o ser-humano se relaciona com o conhecimento e entre si. Entrar em contato com parentes e amigos em lugares distantes também já não é tão problemático – Skype e FaceTime deram outra dimensão ao ato de “falar ao telefone”.
Como conclusão, pode-se dizer que as pessoas vivem e viajam tanto quanto poderiam há 40 anos. Comemos mais variedades de comidas e há mais consciência em relação ao impacto individual e coletivo no planeta. Produtos de todos os tipos ficaram melhores, mais seguros e eficientes. Mais ainda fica a questão em relação ao que se fará com o poder trazido pelos supercomputadores que carregamos em nossos bolsos e bolsas e se a era das inovações iniciadas em 1870 continua a “todo vapor” ou se perdeu impulso.
A programação é a nova alfabetização
maio 17, 2016 § Deixe um comentário
Este mês, completa um ano que comecei a programar. Meu início foi com uma das linguagens mais populares, Ruby, em um ambiente de desenvolvimento online chamado Cloud9. Nestes 12 meses, passei por outras linguagens (Python, outra preferida dos programadores) e montei meu próprio ambiente de programação local (quer dizer, em meu computador). Hoje estou “envolvido” com a linguagem R (é uma linguagem de programação estatística, usada bastante em Data Science).
Neste “meio tempo”, “devorei” o que encontrei pela frente em termos de conceitos, referências (livros, vídeos e pessoas) e filosofias para definir o meu próprio entendimento sobre o assunto. Quem se interessar, ou invés de começar por algum livro, manual técnico ou então por raciocínio lógico e lógica de programação, sugiro se inteirar em relação às filosofias que envolvem a programação computacional. Um livrinho bem bacana neste sentido é o do autor Douglas Rushkoff, professor de teoria da economia digital da City University of New York, “Program or Be Programmed”.
Quando se diz que a programação é a nova alfabetização, não se está insinuando que ela deva substituir o que chamamos de alfabetização hoje, mas sim se incluir no conceito. Não se engane, alfabetização é um conceito, que envolve as habilidades básicas que todo ser-humano deveria dominar para se inserir na sua sociedade.
Este conceito vem sendo desenvolvido desde o século XII, quando a habilidade da leitura começou a ganhar importância. No século XVI, recebeu a companhia da escrita e criou a base do modelo mental que temos de alfabetização. Mas como todo conceito, evolui. No século XVIII recebeu a adição da aritmética e no século XX, a da habilitação automotiva (sim, a carteira de motorista tem este status em boa parte dos países do mundo). No século XXI, chegou a vez da programação computacional ser incluída neste entendimento.
John McCarthy, o inventor da linguagem Lisp e a pessoa que cunhou o termo “Inteligência Artificial”, dizia que uma pessoa deveria aprender a programar para poder “falar com os servos”. Apesar do termo politicamente incorreto, McCarthy se referia ao fato de cada vez mais os seres-humanos gerenciarem máquinas (os “servos”) e as máquinas, ainda hoje, só conseguem fazer o seu trabalho se o ser-humano disser, especificamente, o que e como elas devem fazer. É preciso dar instruções claras. A maneira de se fazer isto, é pela programação computacional.
Desta forma, programar não é mais uma habilidade-nicho (que apenas uma determinada profissão conhece), é uma habilidade essencial para qualquer pessoa com ambição em obter sucesso. É tão importante, que várias organizações se propõe a ensinar programação básica de graça. CodeAcademy, edX e Free Code Camp são alguns exemplos. Vários cursos básicos já são oferecidos em português, graças ao trabalho voluntário de algumas pessoas, mas a maioria dos gratuitos ainda é em inglês.
É claro que aprender a programar não é simples. Há inúmeras dificuldades – principalmente se quem estiver aprendendo já vier com uma baixa formação em matemática e raciocínio lógico – mas se alfabetizar não é simples. É sabido que algumas condições podem se somar aos obstáculos comuns que todo aprendizado traz, por exemplo, dislexia dificulta o aprendizado da leitura e discalculia torna o aprendizado matemático muito mais penoso. Mas é importante deixar claro, que é cada vez mais consenso entre educadores e cientistas cognitivos, que qualquer pessoa que esteja no domínio de suas faculdades mentais, pode aprender a programar – assim como pode aprender a ler, a escrever, a fazer conta e a dirigir. A Khan Academy disponibiliza um vídeo sobre a importância de se manter uma mentalidade de crescimento, essencial para aprender qualquer coisa.
Não se propõe que todo mundo vire desenvolvedor de softwares. O fato de alguém aprender a escrever, por exemplo, não significa que a pessoa se tornará uma escritora ou alguém que aprenda aritmética se tornará um matemático profissional. Mas todos que sabem escrever ou conhecem aritmética, se tornam mais habilidosos para caminharem pelas próprias pernas na “luta” pelo pão de cada dia.
Minha experiência neste último ano me mostrou coisas novas, coisas que havia esquecido e principalmente, me possibilitou começar a desenvolver uma habilidade que nunca considerei que pudesse me trazer tanto conhecimento. Meu conselho é: aprenda a programar, aprenda a falar com as máquinas, você não vai se arrepender.
Deu no New York Times
maio 11, 2016 § Deixe um comentário
Redação do NYT ao anunciarem os ganhadores do Pulitzer. Photo by Hiroko Masuike/The New York Times.
Uma das minhas lembranças mais antigas é dos meus pais e tios discutindo os assuntos correntes do momento ao redor da mesa, nas reuniões de família. Uma das frases mais ouvidas – e que trazia credibilidade ao assunto – era a que está no título deste texto. Em meados dos anos 1990, meus pais proporcionaram um dos maiores presentes a um aficionado por conhecimento como eu, uma conexão à internet.
Desde este dia até mais ou menos o ano de 2012, adquiri o habito de visitar diariamente o site da publicação e ler gratuitamente os artigos que mais me interessavam. Em 2012, o jornal, que passava por uma das maiores crises financeiras de sua história, lançou seu serviço de assinatura online. Iria cobrar por algo que entregava de graça até aquele momento. Lembro de ter, ingenuamente, pensado “quem vai pagar para ler uma reportagem na internet? ”. A resposta veio alguns dias mais tarde quando atingi o limite gratuito de 10 artigos. Assinei o jornal e mantenho meu hábito ainda hoje.
Em 1995, o Times – como é carinhosamente chamado – tinha 1,5 milhão de assinantes da sua edição impressa. Hoje, já são 2,5 milhões somadas as duas formas de assinatura. Somente com os assinantes online, o jornal fatura U$400 milhões anuais. O impacto da rede de assinantes já se faz sentir no próprio modelo de negócio da empresa, os anunciantes – antes tidos como o grande foco do planejamento de venda do negócio – perderam preponderância nas finanças do jornal. Em 2016, cerca de 90% das receitas do New York Times são atribuídas à 12% do total de leitores do jornal (sua base de assinantes).
Sendo um entusiasta do jornalismo independente, fico feliz com a mudança de enfoque da relação financeira de uma grande publicação, dos anunciantes para os seus leitores. Clarifica a missão da empresa e ajuda a priorizar o gasto dos seus recursos no que é realmente importante.
Recentemente, o editor-chefe da Bloomberg reclamou que as empresas jornalísticas se “alimentam de migalhas do Facebook”. Se referia ao fato da rede social ganhar rios de dinheiro em anúncios, utilizando feed de notícias de publicações externas para aumentar o tempo de conexão de seus usuários no site, sem gastar um tostão na criação daquele conteúdo.
Entendo a frustação, mas vejo o fato de outra maneira. Há dois caminhos quando um negócio enfrenta a disrupção trazida pela internet: pode reclamar e tentar, sem sucesso, manter as coisas do modo anterior ou pode abraçar a mudança e a utilizar a seu favor. O Facebook é um fato da vida, não é ignorado por ninguém ao redor do mundo e é hoje, a plataforma mais valiosa para qualquer empresa, de qualquer setor, entrar em contato com o seu cliente potencial.
O New York Times utiliza o Facebook principalmente para “acessar” leitores que admiram o jornal e os estimular a se tornarem assinantes. Ao lançar a sua edição em espanhol, a empresa utilizou funções criadas por cientistas de dados (para quem não está familiarizado com o termo, uma função é um algoritmo estatístico escrito para “ler” dados brutos) em conjunto com o Facebook para “encontrar” dentre os milhões de nativos de língua espanhola que acessam diariamente a rede social, leitores – e possíveis assinantes – para a edição na nova língua.
Ao focar a missão do seu negócio em seus leitores e produzir grande jornalismo, o Times abraçou a internet como aliada ao invés de ameaça, e deixou de lado a “briga” por anunciantes com o Facebook. Este ano, a publicação teve 2 vencedores – e 10 finalistas – do prêmio Pulitzer (mais finalistas do que qualquer outra empresa de notícias no mundo).
Penso ser mais do que hora de se encarar a internet com a responsabilidade necessária e dar a devida atenção à sua real natureza: é um serviço público essencial, como rede de água e esgoto, e deve ser disponibilizada à população da mesma forma como os outros serviços essenciais. Em tempos em que se proliferam propostas como a da Anatel, de limitar o serviço oferecido, o exemplo do New York Times é uma demonstração da importância da web como ambiente de negócios ao redor do mundo. Ficar para trás, mais do que atraso, é uma irresponsabilidade na condução de uma política pública. Em relação à internet, o melhor caminho é, como o slogan do próprio Times aponta: Go Inside.
Eu acho que…
maio 4, 2016 § Deixe um comentário
Em um artigo publicado em 2014, Microaggression and Moral Cultures, os acadêmicos Bradley Campbell e Jason Manning identificam uma mudança na postura de algumas universidades, que ao invés de “celebrarem” a liberdade de expressão passaram a defender uma espécie de “cultura da vitimização”, pressupondo que as pessoas são inerentemente frágeis e, portanto, deve-se evitar falar algo que possa ofendê-las. Essa postura foi fortalecida pelo que ficou conhecido como “politicamente correto”.
O “politicamente correto” também incentivou a popularização da frase “eu acho que”, muito comum aos ouvidos “mais atentos”. Assim como frases similares em outras línguas, como a inglesa “I feel like”, “eu acho que” traz um paradoxo embutido. Ao “mascarar” uma afirmação como uma “humilde opinião”, ela atua como “coringa” bloqueando argumentações contrárias, porque traz implícito que o emissor não tem tanta experiência (pois apenas “acha”) ao mesmo tempo que reforça opiniões semelhantes. Atua como um “escudo” imediato de quem a usa.
Em tempos de polarização, é entendível que as pessoas queiram se resguardar, mas uma das grandes conquistas da era contemporânea (pós revolução francesa), foi a habilidade de argumentar sem resultar (na maioria das vezes) em violência física. É a premissa do “conflito civilizado”, embutido na democracia moderna. Ao mascarar o conflito, “eu acho que” reprime debates e “alimenta” todo tipo de “achismo”, desde como organizar uma educação pública de qualidade até quem apoiar como candidato à presidência. Atua como uma espécie de coerção da esfera pública e privada. A verdade é que “achismo” não gera proposta.
Em seu artigo publicado em 1946, “Politics and the English Language”, o escritor George Orwell escreveu a famosa frase “se o pensamento corrompe a linguagem, a linguagem também corrompe o pensamento”. No texto, Orwell se preocupa com o efeito da linguagem em nossa habilidade de pensar. Não se trata somente em ter todos os pontos claramente definidos, mas sim em ter, “para início de conversa”, um ponto que valha a pena ser proposto. Isto demanda formular ideias equipadas com o melhor “arsenal” possível em termos de ordem, alcance e precisão. Ao usar “eu acho que”, todo este arsenal é “jogado fora”.
Orwell propunha que as pessoas, além de explicarem claramente o que queriam dizer, tivessem algo válido a ser compartilhado. Ele deixou duas dicas imbatíveis neste quesito:
1) tenha algo significativo para dizer – antes de dizer;
2) quanto mais clara for sua linguagem, melhor será o seu pensamento.
Usar “eu acho que”, diminui a substância do que uma pessoa quer falar. Ao imbuir o pensamento de subjetivismo, e tornar o subjetivismo um fim em si mesmo, menos expressivo o próprio pensamento se torna. Se alguém quiser realmente criar uma “estrutura” de pensamento crítico e criativo para si mesmo e desenvolver a habilidade de propor soluções aos problemas que aparecem no seu cotidiano, deve cultivar a arte da conversação. O primeiro passo é abandonar “vícios” verbais que possam influenciar maus hábitos.
Uma sugestão: na próxima vez em que participar de uma reunião de trabalho, discussão em sala de aula ou jantar em família, substitua “eu acho que” por “eu penso que” ou “eu acredito que” e veja a reação dos demais às suas ideias. Não devemos “achar”, devemos argumentar racionalmente, sentir profundamente e assumir a completa responsabilidade da nossa interação com o restante do mundo.