Tsunami digital
agosto 25, 2016 § Deixe um comentário
Confesso que queria encontrar um título mais impactante – pensei mesmo em chamar de “a quarta revolução industrial” – mas creio que a comparação seria limitada (e incoerente com a observação sociológica que indica a mudança de uma sociedade industrial para uma sociedade baseada no conhecimento). Procurando por uma metáfora, fiquei com a definição do Klaus Schwab (presidente do Fórum Econômico Mundial) – tsunami – se vê pequenos sinais à beira-mar e de repente a onda gigante te engolfa. O mundo digital do futuro (próximo), conduzido pela inteligência artificial, internet das coisas e (não canso de repetir, o cada vez mais famoso) big data têm promovido mudanças tão rápidas e densas que pode ser difícil dar um passo atrás e tentar entender o fenômeno. De fato, as transformações têm um potencial tão esmagador, que ao invés de surfar as ondas, podemos, de repente, nos encontrar “levando um caldo”.
Recomendo a leitura do relatório “Technology Tipping Points and Societal Impact”, publicado pelo Fórum Econômico Mundial, com as tendências, cronograma e o impacto esperado na sociedade promovido pelos 3 condutores mencionados no parágrafo anterior. Quem quiser se preparar para a leitura das 44 páginas do relatório, faço um apanhado geral a seguir do que consta nele. Antes, penso ser necessário dar uma pequena explicação a respeito do motivo pelo qual se “bate” tanto na tecla da importância da tecnologia.
A palavra-chave do “mundo” em que vivemos hoje é interconexão. “Globalização”, “sociedade pós-moderna” e outros termos obscuros que se encontra por aí, tem na sua semântica a integração – seja ela de mercados, de pessoas, de culturas, de países, etc. Tudo é interligado: tecnologia, segurança, crescimento econômico, sustentabilidade e identidades culturais. A mudança tecnológica não é um fenômeno isolado, faz parte de um ecossistema complexo que compreende negócios, ações governamentais e as suas dimensões sociais. Por exemplo, para um país fazer um ajuste para o novo tipo de competição orientada pela inovação e criação de propriedade intelectual, todo o ecossistema tem de ser considerado – não é à toa que no ano passado a Finlândia reformulou o seu sistema educacional com foco no estímulo ao autoaprendizado e embasado principalmente pelo uso da tecnologia e o acesso à internet. Então, se algo muda (ou está mudando constantemente) como no caso da tecnologia, todo o sistema precisa se adaptar para manter-se sustentável.
Sem mais delongas, o que o relatório aponta pode ser resumido, “Zagallomicamente”, em 13 pontos principais:
1) Tecnologias usáveis e implantáveis: alguém se recorda dos tijolões que eram os celulares nos anos 90? E dos diminutos do início dos anos 2000? Por volta de 2025 podemos olhar os smartphones da mesma maneira. Há um certo consenso de que os primeiros celulares implantáveis estarão disponíveis no mercado dentro de 9 anos. Há mais consenso ainda em relação às roupas conectadas à internet.
2) Presença digital: há uns 15 anos, ter “presença” digital significava possuir uma conta de e-mail. Hoje, até nossos avós possuem um login no Facebook, no Twitter ou mesmo um site pessoal. Em 10 anos, cerca de 90% das pessoas no mundo terão alguma forma de presença digital. Com isto, pode-se concluir que 90% da população mundial estará conectada na internet. Não é pouca coisa em relação ao conceito de interconexão que comentei anteriormente.
3) A visão como nova interface: não sei quantos dos que me leem usam óculos. Eu pessoalmente, os uso desde os 13 anos. O que meus olhinhos míopes não esperavam é pela informação de que por volta de meados da próxima década, 10% de todos os óculos do mundo também estarão conectados à internet. Isto quer dizer acesso a apps (ou o que for a onda na época) literalmente ao alcance da vista. Também significa acesso e produção de dados em movimento.
4) Computação onipresente: esta tem a ver com a presença digital (ponto 2). É uma informação complementar. Hoje, por volta de 57% das pessoas do mundo estão conectadas à internet. 90% de conexão também significa a presença quase total dos computadores na vida do ser-humano. Não é por acaso que a inteligência artificial tem estado cada vez mais no centro da atenção de quem cria propriedade intelectual e que conceitos como machine learning, ex-machina e similares veem se tornando pop.
5) Tecnologia móvel: em português brasileiro, “combinamos” de chamar os telefones celulares de “celulares”. Mas em outras praias eles são chamados de telefones móveis e chamo a atenção para a palavra “móvel”. A mobilidade elevou a internet a outro patamar, e não vai perder força ou importância no futuro próximo. Pode-se esperar dispositivos mais sofisticados, mas sempre permitindo mobilidade.
6) Armazenamento para “geral”: em carioquês, para “geral” quer dizer para todos. Em 10 anos, 90% dos que tem acesso à internet, também terão armazenagem ilimitada e gratuita nas “nuvens”. Daqui a pouco quase ninguém terá que se preocupar em apagar foto ou vídeo porque acabou o “espaço” no celular.
7) A internet das coisas e para as coisas: óculos, roupas, eletrodomésticos e acessórios. Durante a próxima década, a previsão é que haja 1 trilhão de sensores conectados ao que usamos normalmente. Espera-se que estes sensores nos ajudem a melhorar a segurança (de alimentos à aviões), aumentar a produtividade (o que quer que isto signifique) e nos ajudar a administrar nossos recursos de maneira mais eficiente e sustentável (mesmo porque sempre precisamos de uma utopia).
8) Cidades e casas inteligentes: alguns hoje já são afortunados o suficiente para ter um ou outro eletrodoméstico conectado à internet (tipo uma smart TV ou um sistema de som). As previsões para a próxima década é levar cerca de 50% do tráfego de internet de uma residência para dispositivos ou aparelhos domésticos como frigideiras, geladeira, ar-condicionado, sistemas de segurança, dentre outros. O impacto em cidades deve-se dar principalmente no controle de sinais de trânsito e transporte público.
9) Big data significa big insight: praticamente todos os países do mundo promovem censos governamentais, mas eles são todos mais ou menos da mesma maneira – ou o cidadão recebe pelos correios ou vai um funcionário até a residência. A previsão é que até 2025, pelo menos 1 governo no mundo já tenha substituído seu processo de recenciamento por análise de dados em fontes geradoras ou armazenadoras de big data.
10) Robôs e o ambiente de trabalho: não é segredo de que algumas indústrias funcionam a base de robôs, mas o quanto deles estarão presentes no ambiente de trabalho, digamos, mais administrativo? Há uma previsão de que nos próximos 10 anos, cerca de 30% das auditorias corporativas sejam feitas por robôs. Alguns acreditam que seja também possível lançar neste prazo o primeiro farmacêutico robô.
11) Moeda digital: hoje cerca de 0, 025% do PIB mundial é negociado via blockchain (quem não está habituado com o termo, é uma espécie de “livro-razão” – ou razonete – em que se registra as transações em bitcoin ou similares). Alguns acreditam que esta porcentagem possa chegar a 10% do PIB mundial até 2025 (embora não seja muito crível). Mas muito provavelmente algum governo já estará coletando impostos via blockchain.
12) Economia compartilhada: em 2013 quando a consultora April Rinne causou “furor” em Davos ao falar sobre economia compartilhada (ou economia circular), pouca gente tinha familiaridade com o termo. Hoje, Uber e Airbnb fazem parte do clube do bilhão. Esta tendência não deve perder força na próxima década.
13) Impressora 3D: é considerada um dos “pilares do futuro da manufatura”. O epíteto já diz tudo. Acredita-se que em 10 anos, 5% dos manufaturados serão “impressos” em 3D.
Sei que o texto é longo, se você chegou até aqui, agradeço pela companhia.
Big Brother Corporativo
agosto 17, 2016 § Deixe um comentário
A empresa em que você trabalha te deu um smartphone. Você está dando uma checada nele quando percebe um daqueles e-mails do LinkedIn: “estas empresas estão procurando candidatos como você”. Apesar de não estar particularmente interessado(a) em algo, mas sempre aberto(a) a oportunidades – e um tanto quanto curioso(a) – você clica no link. Alguns minutos depois, seu chefe aparece na sua mesa e diz: “notamos que você tem passado mais tempo no LinkedIn ultimamente, vamos conversar a respeito da sua carreira e se está feliz conosco”?
É um cenário digno de big brother, mas não tão improvável. É sabido que o custo de se trocar um funcionário nunca é barato (nem o de mantê-lo), mas em muitos setores, o custo de se perder bons funcionários está incrivelmente maior por conta da natureza cada vez mais colaborativa dos postos de trabalho. Este é inclusive um dos efeitos colaterais do trabalho em equipe, quando se forma uma “bem azeitada”, não é nada trivial trocar um “jogador”. Desta forma, é até natural que empresas intensifiquem seus esforços em prever os riscos de algum funcionário “abandonar o barco”. As táticas usadas variam da pura e simples “espionagem” a análises de padrões de atividade em rede sociais.
Não quero entrar em discussões a respeito da moralidade da prática ou mesmo da sua legalidade. Em muitos sentidos, os dados gerados na internet ainda são (e talvez o sejam por muito tempo) como “águas internacionais” – pode-se até envolver algum tipo legislação para tentar regular sua utilização – mas é incrivelmente difícil garantir a sua efetiva aplicação. Sem contar ainda com os dados produzidos dentro de uma organização – que indiscutivelmente são dela. O ponto que gostaria de abordar gira em torno dos métodos e medidas que um número cada vez maior de empresas tem tomado para identificar os riscos de se perder um “colaborador”.
As principais razões têm-se mantido estáveis por anos: problemas com os chefes; falta de oportunidade de crescimento; um emprego mais desafiador ou melhor salário. Uma nova pesquisa, conduzida pela CEB – uma empresa de pesquisa tecnológica – com sede em Washington, decidiu focar sua análise não apenas no “por que”, mas também no “quando”. Segundo o diretor da empresa, Brian Kropp, o que estimula alguém a querer mudar de emprego é a comparação que a pessoa faz de como está em relação aos seus conhecidos ou então como deseja estar em determinado momento da vida. O interessa da CEB era saber quais momentos estimulavam a comparação.
Algumas descobertas não trazem muitas surpresas, “aniversários de empresa” (antigamente conhecido como “tempo de casa”) são momentos naturais para reflexões e o aumento de 6% a 9% na procura de novos empregos nesta época confirmam a crença. Momentos sem ligação direta com o trabalho também são incentivos para autoavaliações, como aniversários – principalmente de números redondos, como 40 ou 50 anos – aumento de 12% na procura. Encontros de turma (colégio, faculdade, etc.) também incentivam a busca por “novas oportunidades” (aumento de 16%).
Voltando ao monitoramento, a maior possibilidade de acesso à gigantesca quantidade de dados que produzimos diariamente (o cada vez mais famoso big data) e em especial ao que é conhecido como dark data – que de maneira similar à “matéria escura” da física, constitui a maior parte dos dados de qualquer organização e que quase nenhuma delas se interessava em conhecer – tem permitido identificar possíveis padrões de comportamento de funcionários que pensam em sair. O já citado e-mail LinkedIn é um exemplo. Outro comum é o monitoramento do crachá (conhecido como badge swipe), que verifica o uso do crachá para entrada e saída do prédio (ou da garagem) e identifica padrões que possam sugerir uma “escapada” para entrevista. Se parece exagero a princípio, saiba que algumas empresas, como a Jobrate, têm se especializado neste tipo de análise e prestam consultoria para inúmeras multinacionais. Grandes investidores também têm baseado suas estratégias de investimento levando em conta informações que sugerem mudanças em posições chave nas empresas as quais estão interessados.
Uma perspectiva bem tensa, não? Mas é preciso se lembrar que nem tudo deve ser encarado como “teoria da conspiração”. É claro que as informações podem ser usadas em relações de “mais valia” (esta tirei do fundo da cartola), afinal estamos lidando com seres-humanos, mas não é este o enfoque. Empresas como a Credit Suisse, usa suas informações para melhorar seu relacionamento com funcionários “insatisfeitos”. Como base nelas, por exemplo, avisa funcionários sobre vagas disponíveis em outros setores ou a respeito de oportunidades internas. Com isto, a empresa estima ter economizado de US$ 75 milhões a US$ 100 milhões em custos de recrutamento, seleção e treinamento, somente em 2014.
Ações preventivas para se manter um funcionário parecem ser um “melhor negócio” do que, por exemplo, esperar “a coisa acontecer” e fazer uma contraoferta. Os dados da CEB mostram que cerca de 50% dos funcionários que decidem ficar por conta de uma contraoferta, acabam saindo nos 12 meses seguintes. A maneira como as informações geradas por estas análises de dados está sendo utilizada atualmente, sugere que o big brother é invertido. Manter na casa ao invés de eliminar.
Fonte: pesquisa CEB, “The New Path Forward: Creating Compelling Careers for Employees and Organizations,”
A regra das 5 horas
agosto 2, 2016 § Deixe um comentário
Aos 10 anos, Benjamin Franklin deixou de lado a educação formal e virou aprendiz do próprio pai. Na adolescência não demonstrava nenhum talento particular – além da paixão pelos livros. Quando morreu, em 1790 aos 84 anos, era um dos estadistas mais respeitados dos EUA, o seu inventor mais famoso (entre outras coisas, inventou o para-raios – usado até hoje), além de autor e pesquisador, com trabalhos nos campos da meteorologia, teoria da eletricidade, demografia, entre outros.
O que aconteceu nesses 74 anos entre um ponto e outro?
Durante toda a sua vida adulta, Ben Franklin investiu consistentemente 1 hora do seu dia, durante os dias úteis, em aprendizado. Esta prática ficou conhecida como “a regra das 5 horas”. Segundo o escritor Michael Simmons, a rotina de Franklin consistia em algo parecido com o abaixo:
- Na parte da manhã estudava e escrevia sobre o que havia lido (a tal da 1 hora);
- Definia metas pessoais de crescimento (as conhecidas 13 virtudes);
- Se reunia frequentemente com pessoas de interesse similar para troca de ideias e melhores práticas;
- Transformava suas ideias em experimentos;
- Criava questões a respeito dos assuntos que estudava para refletir ao longo do dia, quando tinha mais tempo livre.
“A regra das 5 horas” pode ser considerada a “avó” de uma abordagem conhecida como aprendizagem ao longo da vida (ou lifelong learning), que considera que o aprendizado deve ser visto de forma acumulativa e feito de maneira constante e consciente durante toda a vida e não se restringir a um lugar e tempo para adquirir conhecimentos (escola) e a um lugar e tempo para aplicar os conhecimentos adquiridos (local de trabalho).
O que Warren Buffet, Bill Gates, Elon Musk e Mark Zuckerberg têm em comum (além de serem bilionários)?
Todos são adeptos da aprendizagem ao longo da vida e a fazem basicamente pela leitura. Warren Buffet passa de 5 a 6 horas do seu dia lendo – de jornais a relatórios financeiros e artigos acadêmicos – estimadas 500 páginas. Bill Gates, por sua vez, lê 50 livros por ano. Mark Zuckerberg se desafiou em 2015 a ler 1 livro a cada duas semanas. Elon Musk, segundo seu irmão, constantemente “devorava” dois livros em um dia quando garoto.
Obviamente ninguém precisa (e nem tem tempo) de ficar lendo o dia todo, mas implementar a regrinha do Ben Franklin é extremamente viável. Outro ponto que vale tocar é o fato da leitura ser a forma principal de aprendizado escolhida dos exemplos citados (inclusive do próprio Franklin). É a mais fácil de ser implementada (não é necessário nenhum equipamento especial – a não ser que se queira), livros, revistas e artigos impressos podem ser carregados sem muita dificuldade. Podem também serem lidos em horários variados, inclusive aqueles em que não se tem muito o que fazer – como a ida e volta do trabalho (se for de transporte público, claro). Além de permitir um aprofundamento maior dos assuntos estudados.
De qualquer maneira, uma coisa é essencial para colocá-la em prática: arrumar um tempo livre. Não tem jeito, este é o primeiro passo e o mais importante. É claro que meia hora é melhor do que nenhuma hora, mas é interessante focar nos 60 minutos por uma questão de conveniência – se dormimos 8 horas (pelo menos é o sugerido), 1 hora por dia representa 1/16 do tempo que ficamos acordados. Se trabalhamos alegadas 8 horas (alegadas pela CLT, pelo menos), 1 hora representa 1/8 do tempo fora do trabalho. Não é pouco, mas também não é muito.
Para melhor aproveitar este tempo, aí vão algumas dicas:
Planeje o aprendizado: pense cuidadosamente no que quer aprender. O que ajuda nessa hora é pensar no que se quer realizar com o aprendizado, definir as metas daí é “um pulo”.
Prática deliberada: ao invés de fazer as coisas de maneira automática, aplique os princípios da prática deliberada. Atividades como procurar um feedback honesto a respeito do que você sabe e colocar em pratica habilidades específicas que quer desenvolver ajudam na retenção do conhecimento.
Ruminação: o nome não é muito bonito, mas o sentido é ficar “matutando” o que aprendeu, pensando em suas perspectivas e assimilando seu contexto. Alguns compositores, como Tchaikovsky e Beethoven adoravam dar caminhadas. Steve Jobs também era fã da prática. Na verdade, a ruminação pode ser feita em qualquer lugar, ela acontece na sua cabeça – o que é necessário é estimulá-la conscientemente.
Separe um tempo para o aprendizado: sei que venho dizendo no decorrer do texto, mas vale repetir. Recomendo a leitura, mas pode ser feito de outras formas: conversando, assistindo vídeos, observando outros e, claro, frequentando aulas.
Resolva problemas assim que surgirem: muitos costumam “jogar pra debaixo do tapete” quando surge algum problema no aprendizado. Não faça isto. Não adianta passar para outro assunto, se você não entendeu o anterior. Mesmo porque probleminhas viram problemões se deixados de lado.
Experimente o que aprendeu: mesmo que não dê certo a princípio ou seja um pouco complicado, tente colocar em prática o que for aprendendo. Praticar é um dos melhores modos de testar uma ideia e aprender com seus resultados.
Uma das consequências da aprendizagem ao longo da vida é o estímulo ao autoaprendizado. Em um mundo em que o conhecimento (e sua produção) é um ativo valioso, depender apenas de aprendizado formal ou informal para adquiri-lo é arriscado – mesmo porque se formos pagar para alguém ensinar tudo o que temos que aprender, muito provavelmente não teremos recursos suficientes para tal. Encontrar formas de estimular a metacognição é francamente um dos maiores presentes que podemos nos dar.