O Outro artificial

junho 25, 2024 § Deixe um comentário

Explore os conceitos de alteridade e AI Risk neste artigo filosófico sobre inteligência artificial e o impacto nas interações sociais e culturais.

Este é o primeiro artigo de uma série de ensaios que estou desenvolvendo sobre alinhamento de IA. A “pegada” desses ensaios é mais filosófica e menos técnica, para trazer ao grande público discussões que acontecem em departamentos de Pesquisa e Desenvolvimento de empresas de tecnologia, bem como em universidades.

No texto, pretendo abordar o conceito do “Outro” (ou alteridade). Essa é uma ideia fundamental na filosofia e na teoria social, que enfatiza a distinção entre o eu e o “Outro”, um conceito crucial para compreender a identidade, a diferença e a dinâmica das interações sociais e culturais.

Na filosofia hegeliana, a alteridade é um componente necessário da autoconsciência. O eu só toma consciência de si mesmo reconhecendo o que não é, através do encontro com o “Outro” [1]. Essa relação dialética é um processo de definição de identidade [1].

Essa centralidade da relação entre o eu e o “Outro” na experiência humana também está presente na filosofia existencialista, particularmente na obra de Jean-Paul Sartre. Para Sartre, a presença do “Outro” desafia a percepção do eu sobre sua própria liberdade e existência [2]. Esse confronto conduz a sentimentos de alienação e conflito, mas também é essencial para a autoconsciência [2]. 

Emmanuel Levinas introduz uma dimensão ética radical na alteridade [4]. Ele argumenta que o encontro face a face com o “Outro” é o fundamento da ética, pois um rosto (sobretudo “Outro” rosto) exige uma resposta, colocando sobre si a responsabilidade ética de reconhecer e respeitar a alteridade alheia [3].

Interessante, não? Mas, aposto que você está pensando: “o que isso tem a ver com inteligência artificial”? Afinal, é o assunto que estamos tratando aqui. Peço só um pouquinho de paciência, já já veremos. 

Leia o texto completo em Update or Die. Publicado em 25/06/2024.

AI-100: Celebrando uma década de insights em Inteligência Artificial

junho 8, 2024 § Deixe um comentário

Ao fecharmos a primeira década deste estudo centenário AI-100 penso ser um momento oportuno para refletir sobre as percepções significativas e os progressos documentados nos dois relatórios já publicados.

Em 2014 foi lançado o “Estudo de 100 anos para a Inteligência Artificial”, por uma espécie de consórcio formado por universidades de ponta dos EUA, Canadá e Índia e pelos departamentos de pesquisa de empresas de tecnologia. Para “tocar o trabalho” foram formados um comitê administrativo para cuidar da organização e gerenciamento do estudo (afinal a ideia é que dure pelo menos 100 anos) e um painel de especialistas destinados a analisar o que tem sido feito na área e tentar prever os caminhos e os impactos da Inteligência Artificial no futuro da humanidade.”

Esse foi o primeiro parágrafo do primeiro texto de cinco que escrevi em 2016 comentando sobre o estudo que ficou conhecido como AI-100, sediado na Universidade de Stanford. De lá para cá, escrevi tanto sobre o primeiro relatório quanto sobre o segundo, de 2021 (deixo aqui links para o último texto sobre o relatório de 2016, com link para os demais e do texto de 2022 sobre o relatório do ano anterior). 

O projeto foi concebido para antecipar e compreender os impactos a longo prazo da inteligência artificial na sociedade, estabelecendo um precedente para a colaboração interdisciplinar e pesquisa científica, além de manter uma certa visão de futuro que poderia ser resumida pela seguinte pergunta: como a IA pode colaborar com o desenvolvimento humano? Ao fecharmos a primeira década deste estudo centenário, penso ser um momento oportuno para refletir sobre as percepções significativas e os progressos documentados nos dois relatórios já publicados.  

O relatório inaugural de 2016 preparou o terreno ao explorar o estado-da-arte da inteligência artificial ​​naquele momento e a sua trajetória potencial ao longo dos próximos cem anos. O relatório foi um exame abrangente das capacidades, limitações e mudanças sociais que ela poderia gerar. Enfatizou o potencial transformador da tecnologia ​​em vários setores, principalmente na educação. Estudos na área estavam sendo concebidos para revolucionar as práticas educativas, oferecendo experiências de aprendizagem personalizadas e sistemas tutoriais inteligentes, que poderiam apoiar professores e alunos de formas sem precedentes. O relatório também abordou alguns conceitos comumente equivocados sobre a inteligência artificial, esclarecendo o que a tecnologia poderia alcançar de forma realista e o que permaneceria no campo especulativo. Este trabalho inicial foi importante para enquadrar a IA não como um conceito futurista distante, mas como uma força imediata e em evolução na vida quotidiana.

Um desses equívocos era a ideia de que a inteligência artificial em breve ultrapassaria a inteligência humana em todos os aspectos. Embora a IA tenha feito progressos impressionantes em áreas específicas como o reconhecimento de padrões e o processamento de dados, o relatório esclareceu que suas capacidades ​ainda estavam longe de replicar todo o espectro das capacidades cognitivas humanas, como a inteligência emocional, a criatividade e a resolução geral de problemas.

O relatório de 2016 também desmascarou a noção de que esses sistemas tecnológicos são infalíveis e isentos de preconceitos. Destacou casos em que a IA perpetuou preconceitos existentes nos dados de formação, enfatizando a necessidade de testes rigorosos e monitoramento contínuo para garantir justiça e precisão na sua aplicação.

Estes esclarecimentos foram cruciais para mudar a narrativa no sentido de uma compreensão mais realista dos pontos fortes e limitações da inteligência artificial e tiveram um impacto profundo no desenvolvimento da IA ​​generativa, como o ChatGPT, nos anos seguintes. Ao reconhecer suas limitações ​​e abordar conceitos equivocados, as pesquisas sobre o tema foram encorajadas a concentrar-se em avanços específicos e alcançáveis. Essa perspectiva realista impulsionou o desenvolvimento de modelos generativos de IA com uma compreensão clara das suas capacidades e limitações. Por exemplo, a ênfase na compreensão e na mitigação de preconceitos levou à criação de protocolos de desenvolvimento e métodos de avaliação mais robustos, fornecendo ferramentas de avaliação para que modelos, como o ChatGPT, pudessem gerar resultados menos enviesados.

Além disso, o esclarecimento de que a IA não ultrapassaria, no curto e médio prazo, a inteligência humana em todos os aspectos, estimulou o foco no aprimoramento de capacidades específicas onde essa tecnologia poderia se destacar, como a compreensão e geração de linguagem. Isso levou a avanços significativos no processamento de linguagem natural, permitindo a criação de modelos sofisticados capazes de compreender o contexto, gerar texto coerente e envolver-se em conversas significativas (exatamente o que as versões atuais de IA generativa fazem). Ao nos concentrarmos nesses objetivos alcançáveis, foi possível fazer progressos constantes no desenvolvimento da tecnologia que pudessem ajudar e melhorar o resultado de tarefas humanas, ao invés de subistituí-las.

Uma das principais discussões no relatório de 2016 foi o impacto da IA ​​no mercado de trabalho. O relatório reconheceu a sua dupla natureza de influência: por um lado, poderia automatizar tarefas rotineiras, potencialmente deslocando trabalhadores; por outro, poderia criar novas oportunidades de emprego e negócios. Essa visão matizada sublinhou a necessidade de políticas proativas para apoiar as transições da força de trabalho, garantindo que os benefícios da tecnologia ​​fossem amplamente partilhados e que os (as) trabalhadores(as) estivessem preparados(as) com as competências necessárias para uma economia impulsionada pela inteligência, artificial e humana. A abordagem equilibrada do relatório destacou a importância de ver a IA como uma ferramenta para aumentar as capacidades humanas.

Com base no que foi estabelecido pelo relatório anterior, o documento de 2021 forneceu uma análise atualizada dos avanços e desafios emergentes da área. Nessa altura, foram feitos avanços significativos nas tecnologias de inteligência artificial, incluindo aprendizagem profunda, sistemas autônomos e ética (com o surgimento do conceito de alinhamento de IA). O relatório documentou aplicações reais, como diagnósticos de saúde, veículos autônomos e modelagem climática, ilustrando a crescente influência da tecnologia ​​em diversos domínios. Estes avanços não foram meramente teóricos, mas tiveram impactos tangíveis, demonstrando o seu potencial ​​para auxiliar no enfrentamento de alguns dos maiores desafios da sociedade. Por exemplo, ferramentas de diagnóstico alimentadas por IA melhoraram a detecção precoce de doenças e a confecção de planos de tratamento personalizados; pesquisas em veículos autônomos tem focado na melhora da sua segurança e eficiência de direção; e modelos climáticos baseados em IA conseguem fornecer melhores previsões para mudanças ambientais e desastres naturais.

O relatório de 2021 também se aprofundou nos impactos sociais da inteligência artificial, abordando questões como preconceito, privacidade e a necessidade de quadros robustos de governança. À medida que esses sistemas se tornarem mais integrados na vida quotidiana, a importância de garantir que funcionem de forma justa e transparente torna-se cada vez mais evidente. O relatório destacou vários casos em que os sistemas de IA perpetuaram inadvertidamente preconceitos, sublinhando a necessidade de monitoramento e melhoria contínua. Esse foco em considerações éticas foi uma prova da evolução da compreensão do papel ​​deste tipo de ferramenta na sociedade – não apenas como um avanço tecnológico, mas como um sistema sociotécnico que deve ser desenvolvido e implantado de forma responsável.

Um aspecto notável do documento de 2021 foi a inclusão de perspectivas globais sobre o desenvolvimento da IA. Reconhecendo que o tema é um fenômeno global, o relatório enfatizou as diversas abordagens e ambientes regulatórios em diferentes regiões. Apelou à colaboração internacional para enfrentar os desafios globais colocados pelo seu uso, tais como garantir o acesso equitativo à tecnologia e mitigar os riscos associados à sua implantação. Este âmbito alargado foi um lembrete de que os impactos da inteligência artificial ​​não se limitam a um único país ou região, mas são verdadeiramente globais por natureza.

Provavelmente veremos avanços ainda mais rápidos daqui para frente, juntamente com implicações sociais cada vez mais complexas. Questões como governança de IA, considerações éticas e cooperação global se tornarão ainda mais críticas. Os primeiros dez anos do estudo AI-100 forneceram informações valiosas sobre o desenvolvimento e os impactos sociais da inteligência artificial. Desde as suas explorações iniciais publicadas em 2016 até às análises mais detalhadas em 2021, o estudo destacou o potencial transformador da tecnologia, bem como os desafios que devem ser enfrentados para garantir que os seus benefícios sejam amplamente partilhados.

À medida que avançamos para a próxima década, o estudo AI-100 está em uma posição única para fornecer embasamento científico para uma pesquisa rigorosa e interdisciplinar que possa verdadeiramente enfrentar os desafios citados no parágrafo anterior. Ao manter uma abordagem inovadora e ao envolver-se em uma ampla gama de perspectivas, a iniciativa tem tudo para continuar a desempenhar um papel importante na definição do futuro da IA.

Este texto também pode ser lido no LinkedIn e em Update or Die.

You can read the English version, “AI-100: Celebrating a Decade of Insights in Artificial Intelligence”, on Substack or Medium.

Introducing the Degree of Knowledge Gain (DKG) Metric: Enhancing Learning Through Online Searches

junho 3, 2024 § Deixe um comentário

In today’s digital age, online search engines have become indispensable tools for education and knowledge acquisition. They provide immediate access to a vast expanse of information, fostering continuous learning by enabling users to refine their queries and explore related concepts. However, evaluating the effectiveness of web searches in fostering true knowledge acquisition presents a unique challenge. Are users merely memorizing facts, or are they engaging in deep learning characterized by comprehensive understanding and integration of knowledge?

My doctoral dissertation, “Quantifying Knowledge Gain in Online Searches: The DKG Metric”, addresses this critical need by introducing a novel metric designed to measure the extent of knowledge gained during web searches.

The Challenge of Measuring Knowledge Acquisition

Web searches offer quick access to information, but they don’t inherently ensure deep learning. Traditional methods of evaluating knowledge gain, such as pre- and post-tests, open-ended exercises, and self-assessments, often fall short in capturing the complexities of digital literacy, cognitive overload, and diverse search strategies. These methods can also be intrusive, disrupting the natural search process.

To overcome these challenges, I developed the Degree of Knowledge Gain (DKG) metric. This model focuses on quantifying the amount of new, relevant information assimilated into a user’s existing knowledge base during online searches. The DKG metric aims to provide a more nuanced understanding of how individuals engage with digital information and learn from it.

How the DKG Metric Works

The DKG metric is introduced through a detailed formalization process that examines the inherent entropy in the search process. This analysis covers how searchers collect information, interact with various sources, and the effort needed to reach certain detection probabilities.

Two experiments were conducted to validate the DKG metric:

  1. Indicators of Learning Transfer: Using the Online Information Searching Strategy (OISS) and a taxonomy of query reformulation, this experiment employed the Think-Aloud Protocol (TAP) and interviews to identify strategies that facilitate knowledge acquisition during online searches.
  2. Validation within Web Search Contexts: This experiment focused specifically on how the DKG metric complements traditional methods of assessing knowledge acquisition. It highlighted the importance of implicit knowledge measures, such as discovering complex information and understanding query complexity, content nuances, and key term identification.

Practical Applications and Implications

The DKG metric offers practical applications for both educators and search engine developers:

  • For Educators: Insights from the DKG metric can help design or curate online resources that are more effective in fostering learning. This could involve creating content that encourages critical thinking and presents information comprehensively.
  • For Search Engine Developers: The DKG metric can guide the refinement of algorithms to prioritize content with high potential for knowledge gain. This may involve ranking resources that not only match keywords but also contribute to deeper understanding and learning.

“Quantifying Knowledge Gain in Online Searches: The DKG Metric” underscores the need for innovative metrics that reflect the complexities of knowledge acquisition in the digital age. By introducing the DKG metric, this work offers a practical model to enhance the educational utility of the web, with significant implications for educational practice and technology development.

If you want to know more about it, you can download the manuscript directly from the Federal University of the State of Rio de Janeiro’s repository here.

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