Competências para o século XXI – parte 1
agosto 13, 2015 § 4 Comentários
Empresários e educadores ao redor do mundo compartilham de uma crença conjunta: a de que desenvolver as habilidades necessárias para o século XXI não é mais um “luxo” e sim uma necessidade. Tenho certeza de que este é um “papo” que você já “ouviu” em algum lugar, mas a pergunta que não quer calar é “que habilidades são essas” exatamente?
Uma habilidade é melhor percebida quando associada à competência que ela estimula, portanto nada mais natural do que focarmos nela – ou nelas – para que se possa deixar mais claro do que se trata essa “história”. Estas competências incluem (1) as habilidades cognitivas do pensamento crítico, resolução de problemas, aplicação do conhecimento (que chamo de conexão) e da criatividade; (2) as habilidades interpessoais de comunicação e colaboração, liderança e consciência global e intercultural (a boa e velha empatia); e (3) habilidades intrapessoais como auto-direção (que podemos traduzir como proatividade), motivação e autoaprendizado (aprender a aprender).
Um dos meus grandes interesses são as formas de medição. Utilizo esse conhecimento para pensar formas de avaliar ações educacionais, qualidade da democracia e outros assuntos os quais me envolvo profissionalmente. Esse interesse também me estimula a pesquisar bastante para construir minhas referências (olha o autoaprendizado aí), o que me levou a direcionar o “olhar” para formas de integrar habilidades e medir as competências do século XXI. Afinal, as habilidades e competências passíveis de serem testadas, são as habilidades e competências passíveis de serem estimuladas.
O pessoal que está mais adiantado nesse estágio de medição das competências necessárias ao nosso século, são os asiáticos. China, Singapura e Coréia do Sul têm se dedicado a planejar ações educacionais e medi-las para entenderem como as competências atuam estimuladas pelo aprendizado. Hong Kong, por exemplo, é uma das muitas cidades chinesas que introduziu avaliações baseadas em projetos, que exigem que os alunos apliquem seus conhecimentos para solucionar novos problemas. Xangai (outra cidade chinesa) ainda não têm um quadro abrangente para medir as habilidades do século XXI, mas está usando testes do PISA voltados à resolução de problemas como uma maneira de estimular a mudança das competências abordadas pelas suas escolas.
Singapura é um excelente estudo de caso de um sistema de ensino que está tentando equilibrar a transmissão de conhecimentos com uma atenção mais explícita em relação às competências do século XXI. Elas estão sendo integradas em todo o currículo escolar, bem como na preparação dos professores e no seu desenvolvimento profissional. Diferentes pedagogias estão sendo incentivadas (o que corrobora com a minha tese de que modelos educacionais funcionam melhor em conjunto), incluindo uma maior utilização da aprendizagem baseada na investigação, da tecnologia da informação e comunicação, da aprendizagem cooperativa em grupos, rotinas de resolução de problemas, entre outras ações. Estão ainda revendo o sistema nacional de exame para incorporar a habilidade do pensamento crítico, usando formas diferentes da famigerada avaliação universal (a nossa múltipla-escolha ou prova objetiva) como por exemplo, provas com questões abertas e baseadas em fontes (que conhecemos como prova discursiva). Algumas competências estão sendo avaliadas em nível escolar mesmo, tais como as habilidades dos alunos no planejamento e realização de experimentos de ciência e na execução de projetos e trabalhos de criação em outras áreas curriculares. Nas escolas primárias, a avaliação e os relatórios para os pais são digamos, mais holísticos, indo além do desempenho acadêmico e abrangendo outras áreas do desenvolvimento do aluno, como atitudes proativas, envolvimento em trabalhos conjuntos, liderança, etc. Além disto, os objetivos esperados pelas ações de desenvolvimento ou formação dos professores estão sendo alterados para coincidirem com as metas de resultados dos alunos.
Tudo isto apoiado por um enorme sistema de medição e avaliação. É possível conhecer uma parte dele pelo guia organizado pela Asia Society, que é uma instituição asiática que faz parte da Global Cities Education Network (GCEN), que é uma comunidade internacional de compartilhamento de aprendizado e melhores práticas de cooperação para melhorar o sistema educacional de cidades da Ásia, Oceania e América do Norte. As cidades participantes são Denver, Hong Kong, Melbourne, Seattle, Seul, Xangai, Singapura, Houston, Lexington e Toronto. Por que será que nenhuma cidade brasileira se interessou por algo parecido?
No próximo post pretendo abordar as competências do século XXI mais críticas a serem desenvolvidas.
O software está devorando o mundo (?)
agosto 6, 2015 § 5 Comentários

Em 2011, o fundador da Netscape – alguém se lembra? Foi um dos primeiros navegadores da internet – Marc Andreessen cunhou a frase “software is eating the world” (cuja tradução é o título do post) em um artigo para o The Wall Street Journal, delineando sua “previsão” de que empresas com foco em desenvolvimento de software (hoje a atividade é chamada coding) seriam as que mais gerariam valor econômico, inclusive interrompendo uma ampla gama de setores industriais.
4 anos depois, 1 em cada 20 vagas de trabalho abertas nos EUA são destinadas à engenharia e desenvolvimento de softwares, mostrando uma tendência similar à previsão do Marc Andreessen. A demanda e competição por desenvolvedores de software no mercado de trabalho é muitas vezes centrada em torno de empresas de tecnologia como Uber, Facebook e afins. Mas é facilmente notado que organizações de todos os tipos estão competindo por este mesmo talento – de empresas financeiras e agências governamentais a hospitais, a procura por pessoas com conhecimento em coding é extremamente ampla.
Penso que o coding é apenas a ponta do iceberg, a habilidade que envolve esta busca por desenvolvedores é outra: a capacidade analítica para processar, interpretar e retrabalhar com base nos insights que podem ser gerados pelas inúmeras fontes de informação e conhecimento disponíveis. O coding leva vantagem pelo fato de facilitar o “acesso” ao “big data”.
As habilidades que devemos focar em desenvolver estão relacionadas à capacidade de interpretar o mundo a nossa volta por conta própria (também conhecida por pensamento crítico) e à capacidade de criar a partir do que já sabemos (que também atende pelo nome de pensamento reflexivo). Estas são habilidades que não podem ser ensinadas.
Mas não se desespere, apesar de não poderem ser ensinadas, elas podem ser aprendidas. Ou melhor, desenvolvidas. O “pontapé inicial” que você deve dar está ligado à sua capacidade de interpretação de texto. Por mais que a melhor forma de aprendizado para você envolva alguma outra “mídia” (uso a palavra por falta de outra melhor) – como assistir a uma aula, participar de um debate, observar alguém fazendo, etc. – uma que você não pode abrir mão é a leitura. O fato é que a maior parte do conhecimento humano está registrado “por escrito” (e vem sendo assim há milênios). Portanto, prescindir da leitura é dispensar uma gigantesca fonte de informação e conhecimento. Em outras palavras, um “tiro no pé”.
É assustador saber que 70% dos brasileiros não leram um livro sequer em 2014. Isto indica que a nossa sociedade não valoriza o conhecimento como deveria, apesar de qualquer brasileiro, quando perguntado, dizer que melhorar a educação é a solução para boa parte dos “problemas” do país. Como pode ser a solução se não há a valorização do “alicerce” de qualquer sistema educacional, o próprio conhecimento?
Na verdade, não é o software que está devorando o mundo, é o desprezo pela leitura. De qualquer forma, também é reconfortante saber que a solução para isto reside em cada um de nós. Que tal tirar aquele livro “empoeirado” da estante?
Sandow Birk e a fisiologia
julho 14, 2015 § Deixe um comentário
Sandow Birk é um artista plástico norte-americano com uma visão muito particular da cultura contemporânea. Ficou famoso o seu trabalho em que retrata o mapa-mundi visto por um liberal (aqui no Brasil chamaríamos de esquerda) e por um conservador (aqui, direita) com todas as suas idiossincrasias.
Porém, o seu trabalho que mais gosto é o que aborda a fisiologia, com “sacadas” como “velha lesão de futebol” para sinalizar o joelho ou “sobremesa” para aquela gordurinha localizada, como podem checar aqui abaixo.
O que acho interessante nesta abordagem é o estímulo à compreensão do funcionamento do corpo humano por meio de correlações com a vida cotidiana. É claro que não substitui o conteúdo clássico da biologia, é apenas um modo de introduzir um assunto mais denso de forma bem-humorada e motivar o aprendizado. Além de ser uma boa maneira para solidificar o conteúdo na memória de longo-prazo (correlacionando-o com “gatilhos” que facilitem rememorá-lo).
Gosto de dizer que não existe “cultura inútil”, é preciso se permitir estar em contato com a maior quantidade possível de fontes de informação para aumentar as suas possibilidades de conectar um conhecimento e, de quebra, inovar.
Quem se interessar em conhecer mais a respeito do trabalho do Birk, pode acessar o seu site diretamente por AQUI.
EatWith
julho 11, 2015 § Deixe um comentário
É mais um exemplo das possibilidades que a conectividade traz ao dia a dia. O EatWith, considerado o Airbnb (o site de alugueis por temporada) da gastronomia, é um site (disponível em app também) que oferece aos participantes a possibilidade de se conhecerem frequentando jantares oferecidos por outros participantes, ou como o site coloca “desfrutar experiências gastronômicas autênticas e íntimas nas casas das pessoas”. A ideia é fomentar uma comunidade global em torno da rede social original: pessoas ao redor da mesa.
Vem sendo bastante usada por chefs que oferecem jantares exclusivos em seus estabelecimentos ou residências, mas também por pessoas que compartilham o interesse por um bom papo e uma boa mesa. É uma boa maneira de conectar pessoas e este é o primeiro passo para se fazer outra conexão importante, a do conhecimento.
Big data & Wide data
julho 7, 2015 § Deixe um comentário
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Não é de hoje que precisamos nos relacionar com uma quantidade absurda de dados e informações. O mundo conectado online (sou um rebelde, não concordo com opção portuguesa e espanhola pela grafia on-line, que não tem o mesmo significado que online em inglês) potencializou exponencialmente o volume – daí o termo big data – que só algoritmos “lidos” por máquinas conseguem lidar.
Somado ao volume, temos também a amplitude desses dados e informações – daí o termo wide data – que requer uma certa criticidade para analisar. É da amplitude que vêm as previsões e conclusões e, há até pouco tempo, domínio total do cérebro humano. Bom, não usei o termo “exponencial” à toa. O volume alongou a amplitude disponível a tal ponto que o cérebro humano simplesmente não processa as variáveis disponíveis. A solução para a “dobradinha” big & wide data são as ferramentas que promovem “machine learning”, uma espécie de inteligência artificial, que permite máquinas aperfeiçoarem o seu desempenho em alguma tarefa, em outras palavras, aprender.
Como todo o processo de aprendizado das máquinas é baseado no próprio processo humano de aprendizagem (pelo menos até que alguma “revolta das máquinas” aconteça), adaptar um ao outro pode ajudar os 2 lados. 3 conceitos usados em “machine learning” me chamaram a atenção e penso ser válido compartilhá-los.
Feature extraction, que determina quais dados devem ser usados no modelo. Definir as características (features) que são importantes em determinado aprendizado ajuda a eliminar uma quantidade imensa de variáveis. Quando se está lidando com dados brutos, saber o que “cortar” poupa tempo e torna a busca pela informação mais assertiva.
Regularization, que determina a forma como os dados são ponderadas dentro do modelo. Regularização é determinar a relevância de cada dado e a sua prioridade. É a “atitude” que transforma um dado em informação, o que dá o contexto. Em seu aprendizado, use este conceito para definir o seu plano de estudo, ordenando o que focará primeiro e tentando visualizar possíveis conexões interdisciplinares.
Cross-validation, que testa a precisão do modelo. A validação cruzada é uma técnica usada para avaliar a capacidade de generalização de um modelo, usando um conjunto de dados. O objetivo do seu uso em “machine learning” (e em análise humana) é a predição. Adaptando para o nosso aprendizado, use o conceito de validação cruzada para determinar o seu processo de avaliação (afinal, como saber se está realmente aprendendo?).
“Machine learning” é um tema fascinante e pode ajudar muito na criação de processos educacionais aplicáveis a nós mesmos, humanos. Para quem quiser se iniciar, sugiro começar pelos chamados “No Free Lunch Theorems” – matemáticos também têm senso de humor – que mostram que todos os algoritmos que buscam um extremo de uma função, agem exatamente da mesma maneira. Alguma semelhança com o nosso comportamento?
O dicionário visual do cérebro
junho 30, 2015 § 3 Comentários
Nós processamos as palavras visualmente, não foneticamente. É o que mostra um estudo conduzido pela Georgetown University Medical Center. Segundo o referido estudo, quando olhamos para uma palavra conhecida, nosso cérebro a vê como uma imagem e não como um grupo de palavras a serem processadas. Ao invés de utilizar métodos como soletração (que entende a letra como unidade) ou identificar partes da palavra como se acreditava anteriormente, o cérebro “se lembra” como a palavra toda se parece, agindo como se fosse um “dicionário visual”.
Utilizando a ressonância magnética para mapear o cérebro dos voluntários, descobriu-se que, ao aprender uma nova palavra, uma pequena área do cérebro (oposta à área utilizada para lembrar rostos) é ativada, indicando que o processo utilizado para reconhecer palavras é similar ao utilizado para reconhecer feições. Segundo os pesquisadores, é isto que nos permite ler rapidamente.
A descoberta não apenas ajuda a entender melhor como o cérebro processa palavras, mas também permite insights a respeito de como ajudar o aprendizado de pessoas com dificuldades de leitura. Para aqueles que têm dificuldades em aprender palavras foneticamente (que é o método habitual para o ensino da leitura), ensinar a palavra inteira como um objeto visual pode ser uma boa estratégia.
Para aprender mais rápido, não se concentre tanto
junho 23, 2015 § Deixe um comentário

Por que alguns desenvolvem habilidades rapidamente, enquanto outros precisam de um tempo extra para praticar? Essa foi a pergunta que Scott Grafton, pesquisador da UCSB (Universidade da Califórnia em Santa Bárbara) se fez. Para descobrir a resposta, desenvolveu um jogo online para medir as conexões entre as diferentes regiões do cérebro enquanto os participantes o tentavam aprender (quem quiser pode conhecer mais sobre o estudo AQUI).
Mapeando as atividades de 112 regiões do cérebro, perceberam uma grande concentração de conexões durante as primeiras tentativas, que diminuíam à medida que o experimento avançava, tornando as regiões mais independentes. Por exemplo, a parte do cérebro que controla o movimento dos dedos e a parte que processa estímulos visuais não interagiam mais ao final da análise. Segundo Grafton, essa tendência já era esperada, pois já conheciam como se desenvolvia o processo de aprendizagem neurologicamente, o que o surpreendeu foi detectar que o maior volume de atividade neural veio dos que aprendiam mais devagar, sugerindo que estes “pensavam demais” (no original, “overthinking”) a tarefa.
A explicação vem do “modus operandi” do cérebro. Quando começamos a aprender algo novo, o cérebro começa a testar inúmeras ferramentas cognitivas para tentar entender e reproduzir o novo conhecimento, com a prática e evolução do aprendizado, ele diminui o uso, focando naquelas que melhor apoiam aquele aprendizado. O que o estudo mostrou, é que algumas dessas ferramentas cognitivas “atrapalham” o aprofundamento de um aprendizado.
Bom, muito interessante, mas por que isso é importante? Porque significa que para um rápido aprendizado, é menos importante se preocupar “em que focar”, do que “como focar”. Manter o “fluxo de atenção” balanceado facilita a reorganização pelo cérebro do fluxo das suas atividades durante um aprendizado mais do que a estratégia de “atenção redobrada” ou “atenção total” que naturalmente utilizamos para aprender algo novo.
O que a matemática no PISA me ensinou
junho 16, 2015 § 5 Comentários

Historicamente, as aulas de matemática valorizam um único tipo de aluno: aquele que consegue memorizar bem e calcular rápido. No entanto, dados dos 13 milhões de alunos que fizeram os testes PISA, mostraram que os estudantes que alcançaram as notas mais baixas em todo o mundo, foram exatamente aqueles que utilizaram a estratégia de memorização no seu aprendizado. Esta estratégia é aquela que estimula a pensar a matemática como um conjunto de métodos de memorização – alguém se recorda dos exercícios para decorar a tabuada? Em contrapartida, os alunos com maior rendimento foram aqueles que abordavam a matemática como um conjunto conectado de grandes ideias. Estes dados podem ser verificados pelos resultados do PISA de 2012, disponibilizados pela OECD.
Esta diferença de performance se deu porque a matemática, ao contrário do que nosso sistema educacional sugere, é um assunto amplo e multidimensional. A verdadeira matemática deve estimular investigação, comunicação, conexões e ideias visuais. Ela envolve Conexão de Conhecimento e não apenas repasse.
O Brasil, em minha opinião, não precisa de alunos que possam calcular rapidamente. Precisamos sim, de aprendizes que possam fazer boas perguntas, mapear caminhos, encontrar soluções para questões complexas, configurar modelos e se comunicar em diferentes formas. Todas essas habilidades deveriam ser encorajadas pelo nosso sistema educacional e nossa posição no teste – 38º de 44 países – deveria gerar não apenas indignação, mas um amplo debate (não bate-boca ou concurso de gritos – como tenho visto por aí) para pensarmos os objetivos que queremos para nossa sociedade e o que precisamos fazer para alcançá-los. A construção da Base Nacional Comum (BNC) pelo MEC – que é a definição do que é essencial ser aprendido – é um primeiro passo para isto, mas só vai realmente contribuir para o desenvolvimento do país se for sustentada por modelos educacionais que privilegiem a aplicação prática do que é aprendido.


