A inevitabilidade da tecnologia
outubro 20, 2015 § Deixe um comentário

Uma questão que tenho ouvido com frequência é a seguinte: “é inevitável o uso da tecnologia na educação”? Como toda pergunta relevante, a resposta não é simples. Do modo como vejo, a resposta é sim e não. No longo prazo sim, é inevitável – e explicarei porque daqui a pouco. No curto e médio prazo, não. Não apenas não é inevitável, como é evitável – obviamente aceitando-se pagar os “custos” sociais que essa decisão acarreta mais adiante.
No longo prazo é inevitável por conta de uma pequena invenção feita a mais ou menos 30 anos, a internet. Ainda não nos damos conta do impacto total dela – creio que no futuro a internet irá inclusive nos modificar biologicamente – mas alguns dos seus impactos já são claramente notados, em especial os que envolvem o nosso comportamento social. Em educação, o seu maior impacto – na minha opinião – é na percepção do que significa ser um professor. Explico: antes da internet, professores (e centros educacionais) eram verdadeiramente as fontes principais de distribuição de conhecimento. Não mais. Obviamente esse tipo de mudança tem seus pontos negativos e positivos, e causa toda sorte de reação a ela, mas se servir de consolo – também na minha opinião – a importância do professor não será diminuída.
Outro grande impacto da internet na educação foi a elevação da importância de uma característica pessoal – que embora admirada, não era considerada essencial pela sociedade – a capacidade de autoaprendizado (na minha época de criança esse pessoal era chamado de “autodidata” e tinha uma áurea de genialidade). É preciso ter em mente que com centros de distribuição de conhecimentos como escolas, universidades e professores, realmente a capacidade de autoaprendizado podia ser relegada a segundo plano. Não mais.
Um dos pontos positivos que a internet possibilitou pelo autoaprendizado foi a diminuição do custo (absurdamente caro) de um aprendizado baseado essencialmente em ambientes formais. Isto dá uma capacidade de monetização a esta habilidade e poder “contar” algo em termos de “grana”, facilita o entendimento da sua relevância – principalmente quando se pode “guardar” o que se conseguiu economizar “estudando por conta própria”. Também é essa capacidade de monetização que possibilita alguém com esta habilidade “valer” mais para aquela entidade meio abstrata, o mercado.
A elevação da importância do autoaprendizado também impacta positivamente em outro tópico de grande interesse para qualquer sistema educacional, a qualidade do seu aprendizado (e é aí que está a importância – não diminuída – do professor – no estimulo desta habilidade alçada a novo patamar – a habilidade de “aprender a aprender”). Qualquer sociedade que já experimentou (ou experimenta) um processo de universalização do seu sistema educacional tem uma característica em comum: a perda da qualidade do seu ensino e aprendizado. Embora natural, é claro que não se pode “cruzar os braços” e não se fazer nada em relação a isto. Algumas sociedades optaram por definir um padrão mínimo aceitável de qualidade e estimular o aparecimento de “centros” de excelência educacional, acessíveis pelo mérito (sabemos que não só, mas também). É um caminho viável e testado – como dizem em inglês, “a sure bet”.
A outra opção é o estímulo ao autoaprendizado, embasado principalmente pelo uso da tecnologia e o acesso à internet. Podem ter a certeza de que está opção já está sendo testada – Finlândia, Canadá, Austrália, alguns estados norte-americanos, Japão, Singapura, Coréia do Sul, alguns locais da China, enfim, a lista é grande. É por esta razão que considero inevitável, no longo prazo, o uso da tecnologia na educação.
Bom, voltemos agora ao curto e médio prazo. Como citei no início do texto, ao se considerar o curto e médio prazo, não apenas não é inevitável como é possível se evitar deliberadamente a tecnologia para fins educacionais. Depende essencialmente da ideologia dos que detêm o poder de tomar ou influenciar essa decisão social (em especial as autoridades públicas, mas também os “formadores de opinião” da sociedade civil e a própria sociedade), da forma de pensar desse pessoal e, principalmente, da importância que dão ao conhecimento.
Citei também no início do texto “custos sociais”, que custos são estes? O século XXI é o “século do conhecimento” – obviamente este é um “chavão”, quem gosta de história pode nomear diversos “séculos do conhecimento” antes do atual – mas este tem uma característica peculiar. Nunca foi tão fácil criar e disponibilizar o conhecimento. Também nunca foi tão fácil “cobrar” por isso – principalmente porque a aplicação prática do conhecimento (também conhecida pelo termo “know-how”) tem uma alta capacidade de monetização. Isto quer dizer que é possível fazer a inovação virar “produtos” ou “negócios” mais facilmente. Quem conseguir estimular consistentemente o uso do autoaprendizado pela sua sociedade irá levar vantagem no “mercado” global, uma vez que terá mais capacidade de gerar consistentemente inovação e entregá-la “embrulhada pra presente”. Os lugares que citei levam vantagem por terem visualizado essa possibilidade antes e saído na frente. Os demais, terão que “correr atrás”. E a distância que deverão “tirar” dos que saíram a frente dependerá do quanto demoraram para aceitar a inevitabilidade da tecnologia.
Como usar o celular em sala de aula
setembro 29, 2015 § 1 comentário
Quando algum assunto aparece na TV brasileira, normalmente é porque já atingiu um nível alto de debate (sejamos francos, a pauta jornalística das nossas emissoras, com raras exceções, não é definidora de tendências). Recentemente, tenho notado um crescente interesse a respeito do assunto “vício tecnológico” ou “digital”. Acho válidas as diversas opiniões a respeito, mas creio que algumas envolvendo o uso de celulares em escolas são mais carregadas de preconceitos do que abertas à exposição de opções. Dessa forma, penso que seguem mais uma linha tendenciosa.
Todas as opiniões que tenho visto condenam o uso e colocam a ferramenta no papel de vilão do baixo rendimento do aprendizado. Certamente o uso sem critério provoca desfoque, mas a questão central – que não percebi em nenhuma reportagem a que assisti – é exatamente a definição de critérios de uso que estimulem a sua associação ao aprendizado. Quando a questão dos critérios era citada (esporadicamente), envolvia restrições ou mesmo a proibição ao uso.
Critérios de uso significam estruturas e rotinas. No caso do celular, é preciso em primeiro lugar encará-lo da mesma forma que cadernos e canetas são encarados, como material escolar que os alunos trazem de casa. Sei que tentar algo novo em sala de aula pode ser intimidador, especialmente quando envolve tecnologia. Mas penso ser mais prejudicial encará-la como inimiga, ainda mais quando pode atuar como aliada dos professores no desafio de engajar os alunos e criar um ambiente estimulante intelectualmente.
Mas que estruturas e rotinas poderiam ser usadas para definir os tais critérios de uso? A seguir, pretendo abordar algumas facilmente implementáveis. É a minha contribuição ao debate.
1) Crie um sistema de identificação: não importa o equipamento (celular, tablet ou notebook), é preciso que seja identificado com o nome de cada aluno que o utiliza. Isso vale tanto para equipamento de propriedade do aluno quanto para equipamento fornecido pela instituição. São ferramentas caras, por isso é preciso vinculá-la ao usuário de alguma forma. Os alunos precisam saber que são responsáveis pelo bem-estar dos seus equipamentos e que podem ser facilmente identificados se o utilizarem de maneira desleixada ou não apropriada.
2) Seja claro e consistente: não considere “favas contadas” que os alunos vão saber o que o professor ou a escola está pensando. É preciso alinhar bem do início as expectativas de todos. Tópicos como: para que o equipamento será usado, como será usado, em que situação, o que se espera atingir com isso, como se espera que os alunos se comportem, o que não será aceito, que tipo de retaliação pode ocorrer para quem não cumprir as regras, como os pais serão comunicados, enfim, é preciso abordar, detalhadamente, os pormenores de cada critério. Se deixarmos de listar as expectativas no início, os alunos irão explorar o equipamento de maneiras que ninguém pode antecipar. Seja explícito e não faça suposições. É totalmente válido, por exemplo, pedir que a forma de visualização da tela não seja alterada ou que os aplicativos que serão usados fiquem todos no mesmo lugar.
3) Comece pequeno: escolha dois ou três aplicativos ou programas para serem usados. Para evitar uma sobrecarga de opções, crie uma pequena lista com as opções de uso para esses aplicativos ou sistemas. Procure identificar os alunos que podem atuar como experts em relação aos aplicativos usados, assim, ao incluir um novo, você terá 3 ou 4 aliados em sala que podem atuar como monitores ou tirar dúvidas em relação a como usar.
4) Use em atividades regulares: ao invés de incluir uma tarefa completamente nova para “usar” os equipamentos, os utilize em alguma atividade regular. Por exemplo, utilize um app de “Atlas Geográfico” ao invés de uma apostila. Atividades simples ajudam a desenvolver a confiança no equipamento (a do professor e dos alunos) e no uso da tecnologia como ferramenta para o aprendizado.
Reconheço ser um baita desafio usar tecnologia em sala de aula. Mas penso ser inevitável que ela adquira em um ambiente educacional o mesmo status que tem no dia a dia da sociedade. Tentar impedir o uso só contribui para a mistificação e não ajuda em nada no preparo de futuros profissionais, que certamente precisarão usar estes equipamentos na sua rotina de trabalho.
Como integrar tecnologia à educação?
agosto 11, 2015 § 3 Comentários
Esta é uma pergunta que tenho ouvido muito em conversas e debates sobre o tema que tenho participado. Alguns acreditam que a tecnologia possa ter um papel mais importante, outros nem tanto, mas a maioria concorda que vale a pena olhar com um pouco mais de atenção o assunto.
O que respondo com frequência é o que costumo reforçar quando sou questionado a respeito da implementação de algum novo modelo educacional, como por exemplo aprendizado baseado em projetos (project-based learning) ou classe de aula invertida (flipped classroom): modelos educacionais são propostos como opções e não tanto como alternativas. Não se deve basear um projeto educacional (ou um sistema educacional) em apenas um modelo, eles funcionam melhor em associação. Aprendizado baseado em projetos pode e deve ser usado em conjunto com o modelo tradicional (ou construtivista, aristotélico, etc). O mesmo ocorre com a tecnologia.
Alguns exemplos do uso de tablets em aulas mostram que o equipamento funciona melhor como ferramenta de trabalho. O caso da escola suíça Zurich International School, que distribuiu Ipads aos seus alunos mostra que o importante não é o conteúdo que os aprendizes colocam no tablet e sim o que fazem com o equipamento. É usado como filmadora, gravador e “caderno de anotação” multimídia.
Em uma escola do subúrbio da cidade de Washington, a Buck Lodge Middle School, os estudantes usam tablets para gravar vídeos, criar apresentações e usar aplicativos educacionais como parte de suas atividades, com bons resultados. As escolas da região que utilizam a ferramenta tiveram um rendimento 175% melhor em matemática do as que não utilizam e um aumento de 35% no número de estudantes que atingiram o nível avançado de leitura.
Para entender como um tablet pode auxiliar um ambiente educacional, um pesquisador da Universidade de Adelaide na Austrália, Allan Carrington, desenvolveu a “Roda (i)Padgógica” (perceberam o trocadilho? Incluí o “i” para facilitar), utilizando a Taxonomia de Bloom, o modelo SAMR (já publiquei um post sobre ele) e uma lista de aplicativos educacionais.
O ponto principal da Roda (a imagem abaixo) é a definição de critérios para os aplicativos.
Uns funcionam melhor para estimular o entendimento a respeito de algo, outros para a lembrança, um outro grupo para aplicar o que foi aprendido, um quarto para estimular a análise, outro para a avaliação e um último para a criação de algo utilizando o conhecimento aprendido. Definir estes critérios e associar os aplicativos apropriados é essencial para que o tablet realmente possa cumprir o seu papel de ferramenta. Não adianta oferecê-lo apenas como repositório de apostila ou como ferramenta livre. Acabará sendo usado da forma como a maioria está acostumada a utilizá-lo, como entretenimento. Por enquanto a “Roda (i)Padgógica” está disponível apenas em inglês. Pretendo trabalhar uma versão dela em nosso idioma assim que tiver disponibilidade para tal. De qualquer forma, disponibilizo o link para quem quiser acessar ao pdf original com as indicações dos critérios e aplicativos associados até o momento.
É inevitável que a tecnologia assuma cada vez mais um papel, ouso dizer, predominante no dia a dia de uma sociedade realmente integrada ao século XXI. É inevitável porque facilita a vida de quem a utiliza. Brigar contra inovações como Uber, por exemplo, é o mesmo que combater monstros imaginários na forma de moinhos como fazia o Don Quixote na obra mágica de Cervantes. Lembro da minha mãe dizendo há uns 30 anos que todos da família tínhamos que aprender a “mexer no computador” para não sermos “analfabetos digitais”. É claro que usar ou não a tecnologia em um ambiente educacional não é uma decisão com resultados tão dramáticos quanto às palavras da minha mãe, mas certamente quem tiver a oportunidade irá se beneficiar bem mais do que quem não tiver.

