Consumo autoral
agosto 25, 2015 § Deixe um comentário
Serendipity[1] para mim é perambular pelas estantes de uma livraria. É um habito que tenho desde garoto, quando “descobri” autores como Orígenes Lessa e Hélio do Soveral. Por estes dias exercitei esta “navegação” na livraria Leonardo Da Vinci – que segundo notícias está em seus últimos dias, o que é uma lástima dado o inestimável serviço prestado a gerações de mentes cariocas – e encontrei uma verdadeira preciosidade.
Trata-se do livro “Consumo Autoral”, organizado pelo sociólogo italiano Francesco Morace, que fundou um dos mais respeitados centros de pesquisa e estudos de comportamento e consumo, o Future Concept Lab. No livro, Morace et al[2] aborda os resultados de uma extensa pesquisa promovida pelo seu laboratório em cerca de 40 países (Brasil incluído), que percebeu alguns fenômenos culturais e mudanças de comportamento. A análise sociológica feita captou o impacto das últimas crises econômicas – iniciando-se com a de 2008 – e sinaliza uma tendência de mudança de perfil do consumidor à medida que a(s) crise(s) avança(m).
O sociólogo identificou algumas mudanças de comportamento que agrupou no termo que dá título ao livro por mostrar uma característica homogênea a todas elas: consumidores menos influenciados pelo charme das grandes marcas e pela persuasão da publicidade. O livro aborda 10 núcleos geracionais, que constituem o que Morace chamou de “consumidores autores” em cada faixa etária.
Pretendo descrever rapidamente[3] os núcleos e citar os “países eleitos” para cada um deles. Aqui vale uma explicação adicional, esses países são apresentados como arquétipos, ou seja, modelos em que o núcleo pode ser observado mais facilmente, mas isto não significa que a tendência se restrinja a eles. Pelo contrário, pela abrangência da pesquisa pode-se inferir que os núcleos geracionais coexistam em boa parte dos países do mundo.
Posh Tweens [8-12 anos, meninos e meninas]
País eleito: Itália
São aqueles pré-adolescentes amantes das novidades. Possivelmente são os únicos (e os últimos) a seguirem as lógicas tradicionais da moda (com a exceção do núcleo DeLuxe Man, que veremos a frente), em que as estéticas propostas são homologadas e reconhecíveis e que podem ser encaixadas no cenário das marcas e grifes. Um núcleo geracional que pode ser definido como fashion victim, são usuários precoces de tecnologia e possuem grande influência sobre seus pais em termos de consumo e decisão de compra.
Expo Teens [12-20 anos, meninos e meninas]
País eleito: Japão
São os adolescentes que vivem a própria identidade como “exposição” – que compreende a exibição, mas também a exposição às tecnologias, ao uso dos códigos da “tribo”, à sensibilidade à várias linguagens, como música, por exemplo – e que criam o próprio referencial estético sobre tais referências. No “mundo” desse núcleo geracional a moda se encontra com a arte e com o design. Ao crescer, o Expo Teen se torna um Exper(t) Teen.
Linker People [20-35 anos, homens e mulheres]
País eleito: Finlândia
Os Linker People são multiplayer. Vivem a condição urbana como um infinito reservatório de estímulos a serem propostos e captados. Se revelam trend setters no comportamento e são curiosos e interessados em experimentar coisas novas. É um núcleo geracional aberto a experimentar qualquer combinação inesperada para criar e lançar “códigos comuns”, sem nunca se identificar com apenas uma comunidade. A relação entre subjetividade e potenciais interlocutores constitui o ponto-chave da sua identidade.
Unique Sons [20-35 anos, homens e mulheres]
País eleito: China
É a geração dos filhos únicos: individualistas, egocêntricos, narcisistas, consumistas (termos do Morace – não quero ninguém me xingando por aí). Sentem-se únicos, mas estão continuamente em busca dos irmãos que nunca tiveram. É esse o núcleo geracional que representa o “motor” da nova sociedade de consumo. Se equilibram entre o capitalismo e a volta aos valores familiares e utilizam a internet para demonstrar a própria contemporaneidade no mundo. O Facebook é o “projeto digital” que melhor os representa.
Sense Girls [25-40 anos, mulheres]
País eleito: Tailândia
Refinadas, sensíveis, exóticas, as Sense Girls propõem uma estética a léguas de distância da vulgaridade. Estão no centro de uma revolução ética que marca uma profunda mudança de modelo de sociedade. São caracterizadas por uma forte sofisticação sensorial e manifestam suas escolhas cotidianas de consumo por meio de um direcionamento ético e estético. Demonstram uma forte consciência de si mesmas e sabem exatamente o que querem encontrar.
Mind Builders [35-50 anos, homens]
País eleito: Índia
Os Mind Builders são os novos existencialistas. Apaixonados pelo estudo do pensamento humano e pela leitura, atuam como intelectuais cosmopolitas e experts em tecnologia. São também orgulhosos das próprias raízes – muito ligados ao seu “território” de origem. São cultores das linguagens, em todas as suas versões, e da troca intercultural. A palavra-chave para eles é “personalidade” e se reconhecem em Barack Obama, seja como geração, seja como visão de mundo.
Singular Women [35-50 anos, mulheres]
País eleito: Brasil
A singularidade feminina é expressa por mulheres sempre mais audaciosas, seguras de si e sem conceitos preestabelecidos. A tendência coincide com o enfraquecimento da identidade masculina, do ponto de vista estético. Falou-se muito, de maneira ampla e genérica, da condição “single”, considerada como a nova perspectiva sociodemográfica nas sociedades do futuro. Este núcleo geracional prova essa condição como errada. Mostra uma realidade mais complexa, de convivência e uniões não institucionais, que se afastam do puro e simples individualismo “isolacionista” representado pela condição “single”. O universo gay também é considerado como parte desse núcleo geracional, pois segue a tendência de comportamento.
DeLuxe Men [45-60 anos, homens]
País eleito: Rússia
Esse grupo geracional se identifica com o conceito de prestígio e distinção. Muitos comportamentos de consumo, que no passado aconteciam apenas no topo da pirâmide sociocultural em muitos países (os chamados happy few), se difundiram por uma classe média alta que começou a fazer parte de uma dimensão antes considerada inacessível. Nos países em que o capitalismo – por diferentes razões – se firmou há poucos anos (como por exemplo, Rússia, China, Brasil, Emirados Árabes) com seus produtos de alta referência simbólica, se formou rapidamente uma categoria privilegiada de sujeitos que se reconhecem nos códigos e nas lógicas do luxo mais tradicional.
Normal Breakers [45-60 anos, homens e mulheres]
País eleito: Argentina
São os “novos rebeldes”, com uma visão crítica e criativa da realidade em que vivem. Para eles, normalidade e transgressão convivem e se sobrepõem a sua condição de pessoas de meia-idade. Se mostram continuamente em busca de alternativas concretas de vida e a tecnologia constitui uma companheira de vida insubstituível, nas formas do file sharing, do blogging e de todas as estratégias de compartilhamento tecnológico.
Pleasure Growers [acima de 60 anos, homens e mulheres]
País eleito: Estados Unidos
São os boomers americanos que não aceitam os valores e o comportamento típico da terceira idade. Redescobrem e lançam os valores das suas utopias de juventude, filtradas pela experiência e maturidade alcançada. A afirmação desse grupo implica a definição de uma estética completamente nova para a faixa-etária: informal, juvenil, energética, psicodélica. Constituem um grupo estabilizado economicamente, realizado e em busca de um hedonismo inteligente e de consumo experiencial.
Cada um dos núcleos se subdivide em 3 atitudes características da geração e na abordagem necessária, em termos de marketing, para que se consiga iniciar um diálogo com os grupos. Sai os antigos conceitos de 4Ps e de outras siglas alfanuméricas (que não valem mais muita coisa) e entra o entendimento dos drivers[4] de consumo, produto, comunicação e distribuição.
O livro, em suas conclusões, aponta uma realidade que se tornará cada vez mais aparente: a convivência intergeracional. Com as pessoas vivendo cada vez mais, as diferentes gerações conviverão de maneira mais intensa e de uma forma diferente da que a nossa sociedade estava acostumada. É necessário evitar os conflitos tácitos, aproximar e reforçar as relações, sobretudo dos núcleos geracionais que convivem em um ambiente familiar. O uso das novas tecnologias, dos aparelhos smart e a internet tem a real possibilidade de criar barreira invisíveis difíceis de sanar, a não ser criando ocasiões completamente diferentes e distintas de convívio, utilizando o que todos os núcleos geracionais têm em comum, a sua condição humana, que envolve a adesão emotiva, a surpresa da descoberta e o compartilhamento do percurso de exploração que acontece durante esse “conceito” que chamamos de vida.
[1] Palavra da língua inglesa que significa, a grosso modo, encontrar aquilo que não estava procurando.
[2] A expressão latina et al. significa em uma tradução livre “entre outros”, é usada academicamente para sinalizar a presença de outros colaboradores em uma pesquisa ampla.
[3] Morace, Francesco et al. Consumo Autoral. Estação das Letras e Cores. 2009. P. 24-25.
[4] É um conceito de marketing que significa, a grosso modo, os tópicos que o consumidor leva em consideração para tomar determinada decisão.
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