A nova face dos quadrinhos
dezembro 2, 2015 § Deixe um comentário
Neste ano, pela primeira vez, o equivalente ao ministério da educação da Austrália incluiu revistas em quadrinhos na sua lista de recomendações de leitura. Títulos como “X-men” de Joss Whedon, “Batman: o cavaleiro das trevas” de Frank Miller e “Watchmen” de Alan Moore figuram juntos a “Apanhador no campo de centeio” de J. D. Salinger e “O grande Gatsby” de F.Scott Fitzgerald.
Nos últimos 10 anos, o crescente interesse de especialistas em educação pelos quadrinhos tem produzido uma série de estudos acadêmicos, que recentemente chamaram a atenção de autoridades públicas. A razão se deve à validação por parte da academia de que os quadrinhos ajudam de fato a melhorar a compreensão da leitura, talvez até mais do que os romances tradicionais e os livros ilustrados.
Apesar do “sucesso de crítica”, muitos professores ainda relutam em aceitá-los como materiais de estudo – por convicção ou preconceito – o fato é que esta forma de expressão literária, popularizada a partir dos anos 1930, já enfrentou muita adversidade. Ficou famosa a campanha feita por conservadores norte-americanos nos anos 1950 pedindo a proibição dos quadrinhos, sob a alegação de que estimulavam a delinquência juvenil. A dra. Janette Hughes, professora de biblioteconomia do Instituto de Tecnologia da Universidade de Ontário, no Canadá, e defensora do uso dos quadrinhos em educação, conta que ainda há muita relutância em aceitá-los como “leitura digna”. Em suas próprias palavras: “como professora e bibliotecária, ouço isso o tempo todo quando sugiro quadrinhos para os estudantes. Seus professores são os primeiros a dizer que eles precisam ler um livro ‘de verdade’.”
A inclusão dos quadrinhos como material didático está sendo feita de forma lenta, mas constante. Em 2008, pela primeira vez, um quadrinho concorreu ao prêmio literário oferecido pelo governo canadense. Trata-se de “Skim”, de Mariko e Jillian Tamaki, sobre uma adolescente oriental convivendo em uma escola católica só para meninas.
Pesquisas feitas pela University of Northern Iowa e Clemson University, mostraram que 80% dos estudantes preferem quadrinhos aos textos tradicionais. A pesquisa da Clemson University foi um pouco além e utilizou o conto “O Barril de Amontillado” de Edgar Allan Poe para explorar os efeitos dos quadrinhos. Utilizou uma adaptação do conto em quadrinhos como suplemento ao texto tradicional e como alternativa ao texto original. Nos dois casos, quem utilizou a versão em quadrinhos tirou uma nota significativamente maior em um teste de compreensão do que quem apenas utilizou a versão em texto.
Outro estudo, produzido para testar o ensino de inglês como segunda língua, em uma escola em Ankara, Turquia, pelos pesquisadores Hüseyin Öz e Emine Efecioğlu comparou a utilização da versão em quadrinhos de “Macbeth” com o texto original de Shakespeare e descobriu que os quadrinhos tiveram um papel fundamental no entendimento: 1) de elementos literários como símbolo, configuração e prognóstico; 2) de inferência; e 3) de vocabulário.
O fato é que o nosso principal sentido, a visão, age em favor dos quadrinhos (e de qualquer informação visual). A psicologia cognitiva chama isto de “efeito da superioridade da imagem” (no original, “picture superiority effect”), que facilita a lembrança de conceitos quando apresentados em imagens. Quando uma informação é apresentada combinando texto e imagem, a retenção é de 65% (no período de 3 dias após a termos recebido). Isto explica a superioridade dos quadrinhos em relação ao “texto corrido”, levantada pelos estudos.
A ironia é que o nosso cérebro processa os quadrinhos de forma bem similar ao modo como processa o “texto corrido”. Mais um estudo (perdoem-me o excesso de referências, mas o assunto é realmente “palpitante”), este feito pelo Dr. Neil Cohn, que procurava entender como o cérebro reagia aos quadrinhos, descobriu que usamos o mesmo processo cognitivo para entender quadrinhos e sentenças em texto. A frase “ideias verdes incolores dormem furiosamente”, cunhada pelo linguista Noam Chomsky expressa o processo utilizado no estudo. Ao entrarmos em contato com uma comunicação incoerente, nosso cérebro automaticamente busca alguma lógica que possa demonstrar um sentido. No estudo, o pesquisador utilizou quadrinhos que passavam uma informação incoerente e percebeu que apesar dos participantes terem dificuldades em entender os quadrinhos, eles reconheciam uma lógica subjacente a eles. Isto demostrou que utilizavam a gramática para entender a história que o quadrinho contava, da mesma forma que utilizamos a gramática para entender o texto que lemos.
Como um leitor voraz, comecei meu interesse pela literatura através das histórias em quadrinhos. Li “Tarzan” e “Em busca do tempo perdido” em suas versões em quadrinhos e confesso que elas me estimularam a procurar os textos originais. Creio que essa forma literária pode ser utilizada para estimular o prazer pela leitura. Mais do que um hábito, ler deve ser encarado como um entretenimento, um hobbie que ao mesmo tempo em que diverte, ensina.
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