Inteligência Artificial e a Educação
outubro 27, 2016 § Deixe um comentário
Como retrospectiva, sugiro a leitura dos textos anteriores sobre o assunto. O primeiro, a respeito do “Estudo de 100 anos para a Inteligência Artificial”; o segundo, referente à definição do que é IA; o terceiro, abordando as tendências; e o quarto a respeito do impacto no mercado de trabalho. Este é o último texto da série e aborda um dos temas mais estratégicos, pelo menos no meu entendimento, na priorização do planejamento de pessoas, organizações e países: a educação.
Dediquei boa parte da minha carreira à área de educação corporativa – sou um daqueles caras de “treinamento” que boa parte dos que trabalham em empresas de médio e grande porte já deve ter cruzado por aí. Sei que muitos “torcem o nariz” para o uso do termo “educação” em associação com a palavra “corporativa”, mas a verdade é que, com a já conhecida (enorme) lacuna na qualidade da formação educacional em nosso país, boa parte das empresas decidiu investir elas mesmas na formação do funcionário, muitas vezes indo além de conhecimentos e habilidades específicas para o seu negócio e ajudando-os em formação básica. Desta forma, em minha opinião, contribuindo para a própria educação do brasileiro. Para atuar neste ambiente, passei anos “consumindo” tudo o que pude encontrar em relação a métodos educacionais. Quando comecei a “me envolver” com machine learning, tive a grata surpresa de perceber que muitos dos conceitos que aprendi a respeito do aprendizado de gente, podia também ser aplicado ao aprendizado de máquinas. Faço esta introdução apenas para contextualizar a minha relação com o tema.
Desde os projetos Lego Mindstorms, desenvolvidos pelo MIT Media Lab a partir dos anos 1980, robôs têm se tornado ferramentas educacionais populares. Cabe aqui atribuir o crédito devido ao matemático Seymour Papert, guru de muita gente (inclusive meu), por conta do seu trabalho envolvendo o uso de tecnologias no aprendizado de crianças desde os anos 1960. Papert foi fundamental para o desenvolvimento do conceito de aprendizado multimídia, hoje parte integrante das teorias do aprendizado, assim como na evolução do campo da Inteligência Artificial.
Este caldo de ideias estimulou o desenvolvimento de diferentes frentes de atuação da IA aplicada à educação. É importante deixar claro, desde já, que nenhuma destas frentes descarta a importância da participação do ser-humano como vetor do ensino. Como citei no texto anterior, referente ao impacto no mercado de trabalho, IA pode aumentar o escopo do que é considerado tarefa de rotina, mas definitivamente o papel do professor não está entre elas. Ferramentas como os Intelligent Tutoring Systems (ITS), campos de atuação como Natural Language Processing ou aplicativos como os de Learning Analytics têm como objetivo ajudar os professores em sala de aula e em casa, expandir significativamente o conhecimento dos alunos. Com a introdução da realidade virtual no repertório educacional, por exemplo, o impacto da Inteligência Artificial no aprendizado do ser-humano deve ser de tal ordem que “periga” alterar a forma como o nosso cérebro funciona (é claro que este impacto ainda é suposição). Creio que a melhor maneira de abordar este assunto, é por meio de exemplos. Vou associá-los aos tópicos principais de IA aplicada à educação. Sempre que o exemplo vier acompanhado de um link, pode clicar. São informações adicionais sobre o assunto ou vídeos tutoriais sobre alguma ferramenta. Se por acaso ocorrer algum rickrolling, me avisem.
Robôs tutores
Ozobot, é um robozinho que ajuda crianças a entenderem a lógica por detrás da programação e a raciocinar de maneira dedutiva. Ele é “configurando” pelas próprias crianças, por meio de padrões codificados por cores, para dançar ou andar. Já os Cubelets auxiliam a criança a desenvolver o pensamento lógico através da montagem de blocos robôs, cada um com uma função específica (pensar, agir ou sentir). Os Cubelets têm sido usados para estimular o aprendizado de STEM.
Dash, é o robô oferecido pela Wonder Workshop, que permite apresentar crianças (e adultos) à robótica. É possível programar as ações do robô por meio de uma linguagem de programação visual desenvolvida pela Google, chamada Blockly ou mesmo construir apps para iOS e Android, usando linguagens mais parrudas como C ou Java.
Por fim, o PLEO rb é um robô de estimação, criado para estimular o aprendizado de biologia. A pessoa pode programar o robô para reagir a diferentes aspectos do ambiente.
Intelligent Tutoring Systems (ITS)
Os ITS começaram a ser desenvolvidos no final do século XX por vários centros de pesquisa, para auxiliar na resolução de problemas de física. A sua força sempre esteve na sua capacidade de facilitar o “diálogo” humano-máquina. Ao longo destas primeiras décadas do século XXI, começou a ser utilizado para o ensino de línguas. Carnegie Speech e Duolingo são exemplos da sua aplicação, utilizando o Automatic Speech Recognition (ASR) e técnicas de neurolinguística para ajudar os alunos a reconhecerem erros de linguagem ou pronúncia e corrigi-los.
Também têm sido usados para auxiliar no aprendizado de matemática, o Carnegie Cognitive Tutor foi adotado por escolar norte-americanas para este fim. Outros similares (Cognitive Tutors) são usados para o aprendizado de química, programação, diagnósticos médicos, genética, geografia, dentre outros. Os Cognitive Tutors são ITS que usam softwares que imitam o papel de um professor humano, oferecendo dicas quando um estudante fica com dificuldade em algum tópico, como por exemplo, um problema de matemática. Com base na pista solicitada e a resposta fornecida pelo aluno, o “tutor” cibernético oferece um feedback específico, de acordo com o contexto da dúvida.
Um outro ITS chamado SHERLOCK, desde o final da década de 1980 ajuda a Força Aérea Americana a diagnosticar problemas no sistema elétrico de suas aeronaves. Quem quiser conhecê-lo mais, sugiro este paper publicado nos primórdios da internet (não se assustem com o design).
Mas as grandes “estrelas” na constelação dos ITS são definitivamente os MOOCs (Massive Open Online Courses). Ao permitirem a inclusão de conteúdos via Wikipedia e Khan Academy e de sofisticados Learning Management Systems (LMS), baseados tanto em modelos síncronos (quando há prazos para conclusão de cada fase do curso) quanto modelos assíncronos (quando o aprendiz vai no seu ritmo), os MOOCs têm se tornado a ferramenta de aprendizagem adaptativa mais popular.
EdX, Coursera e Udacity são exemplos de MOOCs que se “alimentam” de técnicas de machine learning, neurolinguística e crowdsourcing (também conhecida em português como colaboração coletiva) para correção de trabalhos, atribuição de notas e desenvolvimento de tarefas de aprendizado. É bem verdade que a educação profissional e a de ensino superior são as maiores beneficiárias deste tipo de ITS (em comparação com os ensinos básico, médio e fundamental). A razão disto, é que o público delas, até mesmo por ser geralmente composto por adultos, tem menos necessidade de interação cara-a-cara. Espera-se que com um maior estímulo ao desenvolvimento da habilidade de metacognição, os benefícios oferecidos por estas plataformas possam ser distribuídos mais democraticamente.
Learning Analytics
Também já se sente o impacto do Big Data em educação. Todas as ferramentas apresentadas geram algum tipo de log ou algum tipo de registro de dado. Assim como aconteceu no mundo corporativo com BI (Business Intelligence) e BA (Business Analytics), a geração maciça de dados advindos da integração de IA, educação e internet, fez surgir a necessidade de se entender e contextualizá-los para melhor aproveitar as oportunidades e insights potencializados por eles. Com isto, o campo chamado Learning Analytics tem observado um crescimento em velocidade supersônica.
A bem da verdade, é que cursos online não são apenas bons para a entrega de conhecimento em escala, são veículos naturais para a armazenagem de dados e a sua instrumentalização. Deste modo, o seu potencial de contribuição para o desenvolvimento científico e acadêmico é exponencial. O aparecimento de organizações como a Society for Learning Analytics Research (SOLAR) e de conferências como a Learning Analytics and Knowledge Conference organizada pela própria SOLAR e a Learning at Scale Conference (L@S), cuja edição de 2017 será organizada pelo MIT, refletem a importância que está se dando a este assunto em outras “praias”. IA tem contribuído para a análise do engajamento do aprendiz, seu comportamento e desenvolvimento educacional com técnicas state-of-the-art como deep learning e processamento de linguagem natural, além de técnicas de análise preditivas usadas comumente em machine learning.
Projetos mais recentes no campo de Learning Analytics têm se preocupado em criar modelos que captem de maneira mais precisa as dúvidas e equívocos mais comuns dos aprendizes, predizer quanto ao risco de abandono dos estudos e fornecer feedback em tempo real e integrado aos resultados da aprendizagem. Para tanto, cientistas e pesquisadores de Inteligência Artificial têm se dedicado a entender os processos cognitivos que envolvem a compreensão, a escrita, a aquisição de conhecimento e o funcionamento da memória e aplicar este entendimento à prática educacional, com o desenvolvimento de tecnologias que facilitem o aprendizado.
O mais incauto pode se perguntar por que com tecnologias de IA cada vez mais sofisticadas e com o aumento do esforço no desenvolvimento de soluções específicas para educação, não há cada vez mais escolas, colégios, faculdades e universidades os utilizando?
Esta resposta não é fácil e envolve diversas variáveis. A primeira delas está relacionada ao modelo mental da sociedade e ao quanto esta sociedade preza o conhecimento. Há locais em que a aplicação da IA em educação está mais avançada, como por exemplo a Coreia do Sul e a Inglaterra e outros em que já se está fazendo um esforço concentrado para tal, como por exemplo Suíça e Finlândia. Não por acaso, são países em que há bastante produção de propriedade intelectual. A segunda delas, envolve o domínio na geração do conhecimento e na sua aplicação em propriedade intelectual. Nesta variável, segue imbatível os EUA, que são responsáveis por boa parte do conhecimento produzido pelo ser-humano. Novamente, não por acaso, são os líderes no desenvolvimento do campo de IA. A terceira variável, como não poderia deixar de ser, é o custo. Não é barato e como dinheiro é um recurso escasso em qualquer lugar (em uns mais do que em outros, claro) é preciso que haja uma definição da sociedade em questão quanto às suas prioridades para se fazer este investimento. A quarta, está ligada ao acesso aos dados produzidos por estas iniciativas educacionais e as conclusões geradas. Embora haja fortes indícios de que a tecnologia impulsionada pela IA realmente impacta positivamente no aprendizado, ainda não há conclusões objetivas em relação ao tema – muito por conta da sua recência. E como o investimento é alto, são poucos os que topam ser early adopters.
De qualquer forma fica a questão, vale a pena? Quanto a isto, gosto de citar meu ex-chefe, Edmour Saiani. Sempre quando perguntado se devíamos treinar alguém, ele respondia: “se lembre que o problema nunca é você treinar a pessoa e ela sair da empresa, o problema é você não treinar e ela ficar”. Neste tipo de caso, não fazer nada é a pior opção.
Inteligência Artificial e suas tendências
outubro 3, 2016 § 2 Comentários
Para facilitar o entendimento, sugiro como leitura prévia 2 textos anteriores em que abordo este mesmo tema. O primeiro, a respeito do “Estudo de 100 anos para a Inteligência Artificial” e o segundo, referente à definição do que é IA.
Nos últimos 15 anos, IA conseguiu cumprir a sua expectativa histórica de permear a vida do ser-humano. É verdade que um dos grandes responsáveis por isto são os “pequenos” equipamentos que carregamos em nossos bolsos e bolsas diariamente, os smartphones. De todo modo, ao se tornar uma força central em nossa sociedade, a própria IA vem se modificando. O grande objetivo das mentes por trás do seu desenvolvimento, não é mais construir sistemas que são inteligentes, mas construir sistemas inteligentes que são confiáveis e focados no ser-humano.
Pode parecer um simples “jogo de palavras”, mas a realidade é que esta visão traz uma mudança profunda no direcionamento das pesquisas no campo da IA. Para resumir este direcionamento, usarei apenas um termo: dados. Quem tem familiaridade com a hierarquia DIKW percebe imediatamente o que isto quer dizer. Dados são a base em que se constrói o conhecimento. Ao focar neles, as pesquisas em Inteligência Artificial se aproximam cada vez mais do que transforma o ser-humano em ser-humano, a alta capacidade de aprendizagem – de transformar conhecimento em sabedoria.
Não é de se estranhar, portanto, que uma das áreas da IA que mais cresce é a de machine learning. O aprendizado de máquinas vem se desenvolvendo enormemente com o suporte dos recursos de computação em nuvem e com a coleta generalizada de dados baseados na web. Este ambiente também vem sendo impulsionado pelo deep learning, utilizado para treinar (sim, o termo é o mesmo usado em referência ao ser-humano) redes neurais convolucionais. Trocando em miúdos, pode ser resumido como um modo de ensinar máquinas usando o modelo de redes neurais.
Bom, o resultado disto foi um salto na performance de algoritmos de processamento de informação (vale lembrar que informação significa dado contextualizado), acompanhado de outro salto significativo em tecnologia de detecção, percepção e reconhecimento de objetos. Aliados a plataformas e mercados impulsionados por dados, este ambiente estimulou a concentração de pesquisas em algumas áreas específicas da IA.
Aprendizado de máquinas em grande escala (large-scale machine learning): um dos maiores desafios em termos de machine learning atualmente é aumentar a extensão de algoritmos existentes para possibilitar que trabalhem com banco de dados extremamente grandes (o chamado big data). Em banco de dados tradicionais, um algoritmo de aprendizado de máquinas pode se dar o “luxo” de checar várias vezes o mesmo conjunto de dados (afinal, para os padrões das máquinas não são extensos –possuem “apenas” alguns milhões de linhas). Quando se trata de big data, a coisa muda de figura, não se pode repetir este padrão com bilhões e bilhões de linhas de dados – um processador atual poderia “travar” realizando uma ação destas. A solução é otimizar métodos que permitam processar apenas uma vez os dados ou que os dividam em conjuntos. É por este caminho que segue esta tendência de estudo (para aqueles que possuem conhecimentos em modelagem matemática ou estatística, fiquem de “olho” nesta área).
Deep Learning: sei que parece título de filme B, mas penso que vale a pena dar uma explicação um pouco mais técnica aqui do que na “palhinha” de algumas linhas acima. É chamado de aprendizado profundo, a habilidade de se treinar com sucesso redes neurais convolucionais (em teoria da informação, convolucional é um tipo de código para detecção de erros). Em machine learning, a rede neural convolucional funciona de maneira inspirada no córtex visual dos animais, reconhecendo largura e altura de um volume e se ativando quando “vê” algo similar em uma determinada posição espacial. Um dos campos que mais se beneficiam disto é o da visão computacional, que pode ser aplicada em reconhecimento de objetos (e atividades gerais de reconhecimento) e áreas de percepção artificial como voz e linguagem natural (os idiomas que falamos). Sei que a maioria não ligará “o nome à pessoa”, mas saibam que coisas comuns que usamos – como os filtros para fotos de aplicativos como Instagram – se beneficiam destes conhecimentos.
Aprendizado por reforço (reinforcement learning): não sei quantos dos que me leem tiveram a experiência de terem “aulas de reforço” no colégio. Lembro do drama que era para mim chegar duas horas antes das aulas às quintas-feiras, para ter aula de reforço em português. O objetivo deste tipo de aula era, no meu caso, utilizar a língua portuguesa em situações práticas reais (escrever cartas, interpretar textos e entender suas implicações). Funciona de modo similar no caso das máquinas, envolve ensiná-las a aprender algo necessário para executar ações no mundo real. O modo de se fazer isto é através de estruturas sequenciais para tomada de decisão baseada em experiência. Este campo, estagnado há décadas, tomou um impulso com o surgimento do deep learning. Um exemplo prático é o AlphaGo, desenvolvido pela Google, para ensinar máquinas a jogar o jogo chinês Go (para mais detalhes tanto de um quanto de outro, incluí links que direcionam ao site do AlphaGo e à explicação do jogo original na Wikipédia). O AlphaGo foi treinado inicialmente através de um banco de dados criado por especialistas humanos no jogo e posteriormente, via aprendizado por reforço, praticando através de jogos contra si mesmo. A aplicação desta área é bem dinâmica, atua desde viagens espaciais até extração de petróleo em grandes profundezas (como no caso do nosso pré-sal).
Robótica: os esforços atuais se concentram em treinar os robôs a interagirem com o mundo a sua volta de maneira geral e previsível. Um dos caminhos é utilizar deep learning e aprendizado por reforço para ajudá-los a explorar o ambiente e “rodar” sua programação sem espaço para cometer erros que possam ser prejudiciais para seus sistemas e para os que estiverem à volta. Este é o problema, por exemplo, dos carros automáticos – aqueles que se dirigem sozinhos e que já estão sendo testados. O desafio é aumentar a percepção da máquina, incluindo sua “visão”, “força” e sensibilidade “tátil”.
Visão computacional: esta é a forma mais proeminente de percepção da máquina hoje. É uma das áreas de IA que teve a sua evolução impulsionada pelo aparecimento do deep learning. Pela primeira vez, os computadores são capazes de executar algumas tarefas de classificação visual melhor do que as pessoas. Combinada com computação gráfica, tem sido a responsável pela “explosão” da tendência de realidade aumentada.
Processamento de linguagem natural: muitas vezes usado em conjunto com o reconhecimento automático de voz, o processamento de linguagem natural é outra forte tendência da área de percepção da máquina. 20% das consultas ao Google já são feitas por voz e alguns testes já mostram a possibilidade real de usá-lo para tradução em tempo real. O foco dos estudos está se concentrando cada vez mais no desenvolvimento de sistemas capazes de interagir com as pessoas por meio do diálogo (e não simplesmente reagir a comandos digitados).
Internet das Coisas: também conhecida pela sigla IoT (Internet of Things), é um dos grandes focos de pesquisas na área de Inteligência Artificial. Está relacionada à ideia de que uma grande quantidade de dispositivos (ou coisas) podem ser interconectados para coletar e compartilhar seus dados sensoriais (eletrodomésticos, veículos, edifícios, máquinas fotográficas e roupas são alguns exemplos). Embora seja uma questão que envolva em grande parte a criação de tecnologia e a utilização de rede sem fio para conectar os dispositivos, há um enorme desafio no processamento e uso inteligente destas imensas quantidades de dados (a serem) gerados que ainda precisa ser equacionado. Outro ponto, é que atualmente esses dispositivos utilizam uma quantidade grande de protocolos de comunicação incompatíveis. IA está sendo utilizada tanto para desenvolver soluções para lidar com esta possibilidade exponencial de big data quanto para ajudar a domar a “Torre de Babel”.
Há ainda outras tendências que de tão específicas, prefiro não abordar – como computação neuromórfica (neuromorphic computing), criação de algoritmos baseados na teoria dos jogos, sistemas colaborativos, dentre outros. O que une estas tendências não citadas e as demais que comentei é a sua característica human-aware (centrada no ser-humano – como mencionado no início do texto). Isto quer dizer que por mais complicado que possa parecer, todas estas iniciativas são especificamente modeladas e desenvolvidas com o foco nas pessoas que se espera que elas interajam. Por enquanto não há o risco de se criar algo como o sistema Skynet – do Exterminador do Futuro. O maior risco trazido pelo deep learning para o aprendizado da máquina, é o processo conhecido como overfitting. Assim como nós, seres-humanos, as máquinas também apreciam a boa e velha decoreba. Quando percebem que uma resposta não muda, elas simplesmente a decoram. O overfitting ocorre quando tentam generalizar algo que é específico, usando o que decoraram. Como se pode ver, o que faz a diferença em qualquer aprendizado é o contexto.
Inteligência Artificial, essa incompreendida
setembro 21, 2016 § 3 Comentários
Em um texto anterior comentei a respeito do “Estudo de 100 anos para a Inteligência Artificial” e fiz uma pequena introdução do primeiro relatório produzido pelo painel de especialistas. Também terminei o texto convidando o leitor a compartilhar as suas impressões. Muito dos feedbacks que recebi giraram em torno do que afinal é IA (o título, inclusive, foi sugestão de um dos leitores). Não me refiro ao conceito popular, dos filmes – que invariavelmente a apresenta como ex-machina (que explicarei rapidamente ao final do texto) – mas o seu conceito “acadêmico”. Minha intenção é tentar explicá-lo neste texto e nos próximos, abordar com mais detalhes as tendências da Inteligência Artificial e os impactos nas áreas do “emprego e ambiente de trabalho” e “educação”.
Conhecer do que se trata o campo da Inteligência Artificial ajuda a “jogar luz” em um tema que para muitos ainda é ficção científica (embora já seja mais realidade do que nunca) e ajuda a tornar mais real as oportunidades – e as possibilidades de ruptura – que irão influenciar a nossa sociedade.
Em primeiro lugar, é preciso entender porque este assunto vem sendo tratado com tanta importância. Existe uma mudança de modelo econômico em curso no mundo. Desde a primeira revolução industrial, nossa sociedade vem se organizando (sim, os modelos econômicos determinam a forma como a sociedade é) com base em um modelo mental fundamentado em processo de manufatura. É inegável que o modelo industrial estimulou o desenvolvimento tecnológico, social e cultural dos últimos três séculos e modificou a forma como pensamos e enxergamos nosso lugar no mundo. Mas também sedimentou na nossa cabeça, o conceito de que fazemos parte de um processo industrial que tem começo, meio e fim – estudamos, trabalhamos e aposentamos; recebemos estudo fundamental, médio e superior; trabalhamos produzindo insumos, produtos manufaturados ou serviços agregados; namoramos, casamos e temos filhos – os exemplos são inúmeros, a similaridade deles está no seu modelo de processo por etapas.
Embora o modelo industrial esteja em “nosso sangue”, o que possibilitou as revoluções industriais – pelo menos na sociedade ocidental – foram os conceitos iluministas de produção de conhecimento (e que levaram à mudança social máxima da sociedade contemporânea: a separação de Igreja e Estado). A produção do conhecimento, neste estágio, atuou como produto de base da indústria – era encarado como um insumo ou recurso para o fim maior: a produção industrial.
Esta lógica vem se modificando há pelo menos 25 anos. A produção do conhecimento vem deixando de ser um acessório do modelo econômico para se tornar a razão do próprio modelo econômico (talvez o maior exemplo da margem de lucro permitida pela produção do conhecimento seja a Apple com o IPhone – gastou algumas dezenas de milhões de dólares no seu desenvolvimento e faturou em retorno bilhões das “verdinhas” americanas). Cada vez mais, a capacidade de produção de propriedade intelectual vem se tornando a habilidade principal desejada por empresas e o que determina que selecionem alguns candidatos e não outros (isto vem inclusive modificando o processo seletivo em algumas áreas – um exemplo é o processo seletivo da empresa The Information Lab, que paga uma bolsa para os candidatos participarem de um curso de 4 meses e fecha contrato com os que mostrarem as melhores performances quanto à capacidade de produção de propriedade intelectual). É claro que esta é ainda uma realidade distante do Brasil, mas em algum momento teremos que nos inserir neste contexto sob o risco de ficarmos muito (mas muito) para trás.
Desta forma, estamos passando de um modelo econômico focado em produção manufatureira para outro baseado em produção de propriedade intelectual. E a Inteligência Artificial é o diamante desta coroa – afinal ela congrega o que pode vir a ser a própria definição do trabalho do futuro: alta capacidade de cognição humana sendo potencializada pela alta capacidade de cognição artificial.
Quanto à elucidação que prometi, a verdade é que não há uma definição precisa e universalmente aceita para Inteligência Artificial. Curiosamente, foi exatamente por falta desta definição que o campo de estudos floresceu. Ainda assim, uma definição é importante e o professor de ciência da computação, Nils J. Nilsson (Nilsson, Nils J. “The Quest for Artificial Intelligence: A History of Ideas and Achievements”. Cambridge University Press, 2010) fornece uma útil: “a inteligência artificial é a atividade dedicada a fazer máquinas inteligentes. Inteligência é a qualidade que permite que uma entidade possa funcionar de forma adequada e com clarividência no seu ambiente”.
Desta perspectiva, caracterizar IA depende muito do que o ser-humano está disposto a considerar “funcionamento adequado” e “clarividência” em se tratando de hardwares e softwares. Uma simples calculadora eletrônica faz cálculos muito mais rápidos do que o cérebro humano e com muito menos erro. Uma calculadora eletrônica é inteligente? Para responder, precisamos deixar de lado o nosso modelo mental industrial e entender inteligência em um espectro multidimensional (isto quer dizer que há mais do que um tipo de inteligência – vide Howard Gardner).
De acordo com esta visão, a diferença entre uma calculadora eletrônica e um cérebro humano não é de espécie, mas de escala, velocidade, grau de autonomia e generalidade. Estes mesmos fatores podem ser usados para avaliar qualquer instância de inteligência (obviamente, o que o ser-humano considera como inteligência), seja ela natural, artificial (e quem sabe um dia, extraterrestre) e posicioná-la adequadamente dentro do espectro. Softwares de reconhecimento de voz, de geoposicionamento, de controle de navegação de veículos, de termostatos, de jogos go-play (tipo Pokemon) – dentre outros – têm sua inteligência avaliada da mesma forma como a inteligência humana o é. Aprendizagem de máquinas (o machine learning), por exemplo, é avaliada da mesma maneira como é a capacidade cognitiva humana: pela taxinomia de Bloom.
Notavelmente, a caracterização de inteligência como um espectro não concede nenhum status especial ao cérebro humano. Mas é preciso reconhecer que até o presente momento, a inteligência humana não tem correspondência na biologia e nos mundos artificiais em relação à sua pura versatilidade e habilidade para “raciocinar, alcançar objetivos, compreender e gerar linguagem, perceber e responder a estímulos sensoriais, provar teoremas matemáticos, jogar jogos desafiadores, sintetizar e resumir informações, criar arte e música, e até mesmo escrever histórias” (novamente utilizo as palavras do Nilsson).
O grande desafio que uma definição de Inteligência Artificial encontra para se sedimentar na sabedoria popular, é a eterna perda da reivindicação em relação às suas conquistas. Este é um padrão que constantemente se repete desde que o campo surgiu (também conhecido como “efeito IA” ou “paradoxo estranho”). Ocorre da seguinte forma, IA traz à tona uma nova tecnologia, as pessoas se acostumam a esta tecnologia, ela deixa de ser considerada Inteligência Artificial e um novo “mercado” surge. Talvez seja por esta razão que a ideia de IA no imaginário popular esteja relacionada ao conceito de ex-machina. Ex-machina é o santo graal da Inteligência Artificial, o seu objetivo máximo. Criar uma forma de inteligência que se aproxime tanto, mas tanto da inteligência humana, que tenhamos de parar de considerá-la máquina e classificá-la como alguma outra coisa.
Inteligência Digital
setembro 1, 2016 § Deixe um comentário
Não é segredo que temos passado cada vez mais tempo na companhia de aparelhos digitais, seja profissionalmente ou como entretenimento. Para evitar simplificações, vou utilizar a definição dada pelo departamento de ciência computacional e da informação do Brooklyn College para o tipo de equipamento – “é o conjunto de aparelhos que convertem informações em números e permitem seu armazenamento, transporte e compartilhamento”. Estamos “falando” de smartphones, computadores e tablets – mas também de tecnologias mais “antigas” como telégrafo, calculadora, relógio de pulso ou telefone fixo.
Este é um fato que transcende faixa etária. Crianças, por exemplo, passam em média, sete horas diárias em frente a alguma tela digital – segundo artigo da Academia Americana de Pediatria. Para efeito de comparação, é mais tempo do que passam na escola ou em companhia dos pais. Mais do que isto, existe ainda a lacuna – chamada de gap geracional digital – em relação à percepção e uso da tecnologia digital. Crianças e adultos a percebem de forma diferente e esta diferença é hoje o maior “desafio” enfrentado por pais e educadores em relação ao que é apropriado fazer em termos de “educação digital” e mesmo em torno do que é considerado um comportamento aceitável no mundo online.
Alguns conceitos têm surgido para ajudar no entendimento desta realidade. Alguns deles têm saído da academia para assumir a forma de propostas e iniciativas que efetivamente contribuam para a educação dos seres-humanos do século XXI. Uma delas, envolve o conceito de Inteligência Digital e da sua métrica proposta, chamada de coeficiente de inteligência digital.
Inteligência Digital é o conjunto de habilidades sociais, emocionais e cognitivas que permitem aos indivíduos desenvolverem a capacidade necessária para enfrentar os desafios e se adaptar às exigências da vida digital. Essas habilidades podem ser genericamente divididas em oito áreas interligadas. Minha intenção é apresentar rapidamente cada uma delas.
Identidade digital, é a capacidade que um indivíduo tem de criar e gerenciar a sua identidade e reputação digital. Isto inclui a consciência a respeito da sua persona online e a gestão do impacto, em curto e longo prazo, da sua presença na internet.
Uso digital, é a capacidade de usar aparelhos e suportes digitais, incluindo a habilidade de encontrar um equilíbrio saudável entre a vida online e offline. Vale reforçar que este equilíbrio é individual – cada um define o seu – embora as consequências de extrapolá-lo possam ser percebidas de maneira coletiva, como por exemplo, distúrbios psicológicos.
Segurança digital, é a capacidade de “gerenciar” os riscos online, por exemplo, cyberbullying, aliciamento, catfishing (para quem não está familiarizado com a definição, catfish corresponde à pessoa que assume uma falsa identidade na internet), bem como lidar com conteúdos “problemáticos” (como violência e obscenidade). Em resumo, é a habilidade para evitar ou limitar esses riscos.
Proteção digital, é a capacidade de detectar ameaças virtuais (como pirataria, fraudes, malware), entender as melhores práticas de utilização dos conteúdos disponibilizados (conceitos como o de curadoria digital, por exemplo) e do uso das ferramentas de segurança adequadas à proteção de dados.
Inteligência emocional digital, é a capacidade de ser compreensivo e construir boas relações com os outros online.
Comunicação digital, é a capacidade de se comunicar e colaborar com outras pessoas, usando tecnologias digitais e de mídia.
Alfabetização digital, é a capacidade de encontrar, avaliar, utilizar, compartilhar e criar conteúdo digital (novamente envolvendo o conceito de curadoria), bem como a competência em programação computacional e raciocínio lógico, além do desenvolvimento do pensamento crítico.
Direitos digitais, é a capacidade de compreender e defender os direitos pessoais e coletivos, nomeadamente os direitos à privacidade, propriedade intelectual, liberdade de expressão e proteção contra discursos de ódio.
Bom, se prestarmos bem atenção, veremos que a raiz da Inteligência Digital são os valores bem humanos do respeito, empatia, prudência e cidadania – desejáveis em qualquer sociedade. Quem se interessar e quiser implementar o modelo, sugiro a plataforma digital izhero.net, até 31 de dezembro a adesão a ela é gratuita.
Quem se interessar em explorar conceitualmente o assunto, sugiro procurar a seguinte bibliografia.
Barlett, C. P., Gentile, D. A., & Chew, C. (2014). Predicting cyber-bullying from anonymity. Psychology of Popular Media Culture.
Gentile, D. A. (2013). Catharsis and media violence: A conceptual analysis. Societies, 3, 491–510;
Gentile, D. A., Choo, H., Liau, A., Sim, T., Li, D., Fung, D., & Khoo, A. (2011). Pathological video game use among youth: A two-year longitudinal study. Pediatrics, 127, e319-329.
Gentile, D. A., Reimer, R. A., Nathanson, A. I., Walsh, D. A., & Eisenmann, J. C. (2014). A prospective study of the protective effects of parental monitoring of children’s media use. JAMAPediatrics, 168, 479-484 doi:10.1001/jamapediatrics. 2014.146
Maheshwari, Anil. (214). Data Analytics Made Accessible.
Maier, J. A., Gentile, D. A., Vogel, D., & Kaplan, S. (2014). Media influences on self-stigma of seeking psychological services: The importance of media portrayals and person perception. Psychology of Popular Media Culture.
Mithas, Sunil. (2012). Digital Intelligence: What Every Smart Manager Must Have for Success in an Information Age. Finerplanet.
Ostrov, J., Gentile, D. A., & Mullins, A. D. (2013). Evaluating the effect of educational media exposure on aggression in early childhood. Journal of Applied Developmental Psychology, 34, 38-44.
Prot, S. & Gentile, D. A. (2014). Applying risk and resilience models to predicting the effects of media violence on development. Advances in Child Development and Behavior, 46, 215-244.
A regra das 5 horas
agosto 2, 2016 § Deixe um comentário
Aos 10 anos, Benjamin Franklin deixou de lado a educação formal e virou aprendiz do próprio pai. Na adolescência não demonstrava nenhum talento particular – além da paixão pelos livros. Quando morreu, em 1790 aos 84 anos, era um dos estadistas mais respeitados dos EUA, o seu inventor mais famoso (entre outras coisas, inventou o para-raios – usado até hoje), além de autor e pesquisador, com trabalhos nos campos da meteorologia, teoria da eletricidade, demografia, entre outros.
O que aconteceu nesses 74 anos entre um ponto e outro?
Durante toda a sua vida adulta, Ben Franklin investiu consistentemente 1 hora do seu dia, durante os dias úteis, em aprendizado. Esta prática ficou conhecida como “a regra das 5 horas”. Segundo o escritor Michael Simmons, a rotina de Franklin consistia em algo parecido com o abaixo:
- Na parte da manhã estudava e escrevia sobre o que havia lido (a tal da 1 hora);
- Definia metas pessoais de crescimento (as conhecidas 13 virtudes);
- Se reunia frequentemente com pessoas de interesse similar para troca de ideias e melhores práticas;
- Transformava suas ideias em experimentos;
- Criava questões a respeito dos assuntos que estudava para refletir ao longo do dia, quando tinha mais tempo livre.
“A regra das 5 horas” pode ser considerada a “avó” de uma abordagem conhecida como aprendizagem ao longo da vida (ou lifelong learning), que considera que o aprendizado deve ser visto de forma acumulativa e feito de maneira constante e consciente durante toda a vida e não se restringir a um lugar e tempo para adquirir conhecimentos (escola) e a um lugar e tempo para aplicar os conhecimentos adquiridos (local de trabalho).
O que Warren Buffet, Bill Gates, Elon Musk e Mark Zuckerberg têm em comum (além de serem bilionários)?
Todos são adeptos da aprendizagem ao longo da vida e a fazem basicamente pela leitura. Warren Buffet passa de 5 a 6 horas do seu dia lendo – de jornais a relatórios financeiros e artigos acadêmicos – estimadas 500 páginas. Bill Gates, por sua vez, lê 50 livros por ano. Mark Zuckerberg se desafiou em 2015 a ler 1 livro a cada duas semanas. Elon Musk, segundo seu irmão, constantemente “devorava” dois livros em um dia quando garoto.
Obviamente ninguém precisa (e nem tem tempo) de ficar lendo o dia todo, mas implementar a regrinha do Ben Franklin é extremamente viável. Outro ponto que vale tocar é o fato da leitura ser a forma principal de aprendizado escolhida dos exemplos citados (inclusive do próprio Franklin). É a mais fácil de ser implementada (não é necessário nenhum equipamento especial – a não ser que se queira), livros, revistas e artigos impressos podem ser carregados sem muita dificuldade. Podem também serem lidos em horários variados, inclusive aqueles em que não se tem muito o que fazer – como a ida e volta do trabalho (se for de transporte público, claro). Além de permitir um aprofundamento maior dos assuntos estudados.
De qualquer maneira, uma coisa é essencial para colocá-la em prática: arrumar um tempo livre. Não tem jeito, este é o primeiro passo e o mais importante. É claro que meia hora é melhor do que nenhuma hora, mas é interessante focar nos 60 minutos por uma questão de conveniência – se dormimos 8 horas (pelo menos é o sugerido), 1 hora por dia representa 1/16 do tempo que ficamos acordados. Se trabalhamos alegadas 8 horas (alegadas pela CLT, pelo menos), 1 hora representa 1/8 do tempo fora do trabalho. Não é pouco, mas também não é muito.
Para melhor aproveitar este tempo, aí vão algumas dicas:
Planeje o aprendizado: pense cuidadosamente no que quer aprender. O que ajuda nessa hora é pensar no que se quer realizar com o aprendizado, definir as metas daí é “um pulo”.
Prática deliberada: ao invés de fazer as coisas de maneira automática, aplique os princípios da prática deliberada. Atividades como procurar um feedback honesto a respeito do que você sabe e colocar em pratica habilidades específicas que quer desenvolver ajudam na retenção do conhecimento.
Ruminação: o nome não é muito bonito, mas o sentido é ficar “matutando” o que aprendeu, pensando em suas perspectivas e assimilando seu contexto. Alguns compositores, como Tchaikovsky e Beethoven adoravam dar caminhadas. Steve Jobs também era fã da prática. Na verdade, a ruminação pode ser feita em qualquer lugar, ela acontece na sua cabeça – o que é necessário é estimulá-la conscientemente.
Separe um tempo para o aprendizado: sei que venho dizendo no decorrer do texto, mas vale repetir. Recomendo a leitura, mas pode ser feito de outras formas: conversando, assistindo vídeos, observando outros e, claro, frequentando aulas.
Resolva problemas assim que surgirem: muitos costumam “jogar pra debaixo do tapete” quando surge algum problema no aprendizado. Não faça isto. Não adianta passar para outro assunto, se você não entendeu o anterior. Mesmo porque probleminhas viram problemões se deixados de lado.
Experimente o que aprendeu: mesmo que não dê certo a princípio ou seja um pouco complicado, tente colocar em prática o que for aprendendo. Praticar é um dos melhores modos de testar uma ideia e aprender com seus resultados.
Uma das consequências da aprendizagem ao longo da vida é o estímulo ao autoaprendizado. Em um mundo em que o conhecimento (e sua produção) é um ativo valioso, depender apenas de aprendizado formal ou informal para adquiri-lo é arriscado – mesmo porque se formos pagar para alguém ensinar tudo o que temos que aprender, muito provavelmente não teremos recursos suficientes para tal. Encontrar formas de estimular a metacognição é francamente um dos maiores presentes que podemos nos dar.
Criar, aprender e se fazer as perguntas certas
julho 21, 2016 § Deixe um comentário
Criar é tão antigo quanto aprender. De ferramentas de pedra a desenhos nas cavernas, a criação humana se confunde com a própria atividade da nossa espécie. Podemos afirmar, com pouca dúvida, que “está em nosso sangue”. Por que então nosso sistema educacional – com raras exceções – se preocupa tanto com o conceito, muitas vezes em detrimento da própria aplicação prática? Talvez a resposta esteja em nossas próprias diretrizes educacionais.
A Lei 9.394/1996, também conhecida como “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”, estipula em seu artigo 32 os objetivos do ensino fundamental, que se inicia aos 6 anos de idade e tem duração de 9 anos. Como é um pouco longo, sugiro que quem tiver interesse de lê-lo na íntegra, baixe gratuitamente o livro “Legislação Brasileira sobre Educação”, editado pela Câmara dos Deputados. De qualquer forma, um pequeno resumo se faz necessário: temos como objetivos desenvolver a capacidade de aprendizado (leitura, escrita e cálculo como elementos para tal) e de aprendizagem (conhecimento, habilidades, atitudes e valores), a compreensão do ambiente da sociedade e o fortalecimento dos vínculos sociais. Com exceção de uma referência tímida ao desenvolvimento de habilidades (que está ligada à implementação), a maior parte dos objetivos do sistema educacional brasileiro está ligado diretamente à conceptualização (tanto no aprendizado quanto na socialização). Para facilitar o entendimento, dou como exemplo o ensino de literatura. Muito provavelmente, se estivermos aprendendo literatura, seremos orientados a ler determinados livros e nosso entendimento da narrativa literária será avaliado por meio da nossa capacidade de conceptualização dela (redação, prova, etc.). Dificilmente seremos instigados a “implementar” a narrativa, por meio da encenação de uma peça, por exemplo.
Pensadores educacionais como Johann Pestalozzi, Maria Montessori, Seymour Papert – além dos nossos próprios Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro – ajudaram a pavimentar o caminho alternativo do que vem sendo chamado atualmente de “maker movement” (movimento criador ou fabricante), salientando a importância da aprendizagem significativamente centrada na implementação prática do conhecimento. Ao invés de verem a aprendizagem como a transmissão de conhecimentos de professor para aluno, esses pensadores abraçaram a ideia de que os seres-humanos aprendem melhor quando encorajados a descobrir, reproduzir e experimentar.
No coração do “movimento”, está a crença de que todos os alunos são criadores. Em vez de apenas receberem materiais que estimulem a memorização para testes, os aprendizes são incentivados a usar o que sabem para projetar e construir, seja utilizando objetos do cotidiano para explorar a tecnologia ou usando uma impressora 3D para construir uma prótese mecânica para uma criança. Colocar a “mão na massa” tem um papel fundamental nesse processo, tanto que o local de aprendizado se parece mais com uma oficina do que com uma sala de aula. Apostilas ou livros didáticos são mais propensos a serem utilizados como referência – uma ferramenta para ajudar os alunos a experimentarem e construírem – ao contrário das aulas tradicionais, onde memorizar o livro muitas vezes é o próprio objetivo.
Um dos métodos mais utilizados nesta metodologia é o project-based learning (aprendizado baseado em projetos), que abordei em outros textos (quem se interessar, um link compilatório). O citei apenas como referência, o que gostaria realmente de abordar a seguir é a mentalidade envolvida no processo. Mais do que ferramentas ou tecnologia, a metodologia incentiva o aprendiz a formular as próprias perguntas e perseguir as respostas de forma orgânica. Em contraste com a abordagem da “única resposta correta”, a mentalidade envolve a busca de maneiras de se aproximar dela através da experimentação e a “jogar” com as possíveis resoluções dos problemas. Os erros são entendidos como parte da aprendizagem, uma vez que incentivam os aprendizes a ultrapassarem os limites das suas capacidades atuais. Como todo bom cientista entende, cada erro cometido é uma oportunidade de incorporar o que foi aprendido com ele e a testar uma nova maneira de resolver os desafios – muitos deles, nem previstos anteriormente. Em uma cultura educacional que coloca um enfoque excessivo em provas conceituais, há um alto risco de se formar adultos focados em encontrar as “respostas certas”, quando deveriam pensar prioritariamente nas “perguntas certas”.
O questionamento é uma forma poderosa de aprendizagem. Barron e Darling-Hammond, em pesquisa publicada em 2008, mostram que os alunos aprendem de maneira mais profunda quando têm a oportunidade de aplicar conhecimentos adquiridos em sala de aula nos problemas do mundo real. Fazer perguntas fornece contexto, que por sua vez, ajuda a reforçar a aprendizagem. Isto acontece, porque desta forma quem aprende é estimulado a transferir a sua aprendizagem para novos tipos de situações, incluindo aquelas que ocorrem fora da sala de aula.
Como a maioria de nós, fui criado em um modelo educacional que estimula a conceptualização excessiva e tive muita dificuldade em colocar “na vida real” o que aprendi no colégio e na faculdade. Felizmente, encontrei em minha vida profissional pessoas que me incentivaram a pensar em formas de aplicar o que sabia e tiveram a paciência de não me demitir quando algo não saia como deveria. Confesso que tive sorte e que esta não é a realidade da maioria, portanto o quanto antes se comece a incentivar a aplicação do conhecimento, melhor para a sociedade.
Para melhor fluidez do texto, evitei colocar as referências acadêmicas do “maker movement”. Corrijo isto, compartilhando a bibliografia logo abaixo para quem tiver interesse em explorar mais a metodologia.
Bibliografia
- Barron, B. & Darling-Hammond, L. (2008).Teaching for Meaningful Learning: A Review of Research on Inquiry-Based and Cooperative Learning (PDF) Book Excerpt. George Lucas Educational Foundation.
- Dougherty, D. (2013). “The Maker Mindset.” In M. Honey & D.E. Kanter (Eds.) (2013),Design, make, play: Growing the next generation of STEM innovators (pp.7-11). New York: Routledge.
- Eddy, S.L. & Hogan, K.A. (2014). “Getting under the hood: how and for whom does increasing course structure work?“CBE-Life Sciences Education, 13(3), pp.453-468.
- Halverson, E.R. & Sheridan, K. (2014). “The maker movement in education.”Harvard Educational Review, 84(4), pp.495-504.
- Kontra, C., Lyons, D.J., Fischer, S.M., & Beilock, S.L. (2015). “Physical experience enhances science learning.”Psychological science, 26(6), pp.737-749.
- Martinez, S. & Stager, G. (2014).The maker movement: A learning revolution. Arlington, VA: International Society for Technology in Education (ISTE).
- National Science Foundation (2015).Women, Minorities, and Persons with Disabilities in Science and Engineering: 2015. Arlington, VA: National Center for Science and Engineering Statistics.
- Riskowski, J.L., Todd, C.D., Wee, B., Dark, M., & Harbor, J. (2009). “Exploring the effectiveness of an interdisciplinary water resources engineering module in an eighth grade science course” (PDF).International Journal of Engineering Education, 25(1), p.181.
- Wittemyer, R., McAllister, B., Faulkner, S., McClard, A., & Gill K. (2014).MakeHers: Engaging Girls and Women in Technology Through Making, Creating, and Inventing (PDF). Intel.
Antigas formas de aprender
julho 11, 2016 § 4 Comentários
Antes da calculadora científica, da HP12C e do Excel, se usava o ábaco. É um antigo instrumento, formado por uma moldura com bastões ou arames paralelos, dispostos no sentido vertical, cada um deles correspondendo a uma posição digital – unidade, dezena, milhar e por aí vai. Durante milênios, ensinou seres-humanos em diferentes partes do mundo a calcular. Era um equipamento verdadeiramente universal (em uma época em que se chegar a qualquer canto do mundo levava, literalmente, anos. Surpreendentemente, o ábaco sobreviveu como calculadora até o início do século XXI – a China, o último país a removê-lo do seu currículo escolar, o fez somente em 2001.
Em 2010, a pesquisadora Chen Feiyan e seus colegas do departamento de física da Universidade de Zhejiang, conduziram uma pesquisa com estudantes de 200 colégios para medir se o ábaco fazia falta ou não. Descobriu que aqueles que sabiam utilizá-lo, tiravam notas mais altas.
Apesar do pouco uso do ábaco na sociedade moderna, algumas instituições de ensino chinesas, como o grupo Shenmo, decidiram reintroduzir o ensino do instrumento, oferecendo cursos específicos ligados ao currículo de aritmética. A sua “força” está em ajudar quem o usa, a “visualizar” problemas abstratos. Ao aproximá-los do nosso “mundo de carne e osso” por meio de um instrumento físico, o ábaco facilita a compreensão do seu conceito e, em um segundo momento, a sua abstração em nosso cérebro (para um melhor entendimento de como as diferentes regiões do cérebro influenciam no aprendizado, recomendo uma visita ao Brain Map, página interativa da organização OpenColleges).
Em um ensaio publicado na revista “The American Scholar” em 2008, o especialista em literatura, Ernest Blum, chama a atenção para o fato de que “o número de palavras necessárias para ler livros em uma língua estrangeira, excede em vários múltiplos, a quantidade de vocabulário adquirido pela maioria dos estudantes desta língua estrangeira”. Segundo Blum, essa enorme lacuna de vocabulário explica porque, mesmo após anos de curso, muitos ainda dependam fortemente de dicionários e traduções para compreenderem textos em outro idioma.
Blum defende a volta de um método, bastante utilizado nas idades antiga e média para o aprendizado de latim e grego, chamado de tradução das entrelinhas (também é conhecido como tradução interlinear). Neste método, o foco do estudo é o texto e não a gramático. Palavras, frases e parágrafos são “dissecados” para a compreensão do seu sentido. Outro fã do método, é o professor de história da renascença da Universidade de Leeds, Robert Black, que estudou cerca de 300 “livros didáticos” utilizados em Florença entre os séculos XII e XV, e descobriu que a tradução das entrelinhas fornecia sinônimos, explicava a ordem das palavras e a gramática em termos “modernos” (modernos para a época), destrinchava as figuras de linguagem e suplementava palavras “sem tradução”, as substituindo pelo seu sentido.
Houve uma “tentativa” de reintroduzir o método ao aprendizado de línguas por volta do século XIX, mas foi rejeitado pelos gramáticos da época, que argumentavam que focar no sentido do texto, desconsiderava a gramática e a composição. Para eles, o sentido deveria ser suplementado pelo próprio estudante, com a ajuda de um dicionário.
O exemplo do ábaco e do método da tradução das entrelinhas, mostra que o que é antigo nem sempre é desatualizado. Há muita tentação em simplesmente substituir algo “velho” por uma nova tecnologia (ou modelo), mas a verdade é que o novo, deve ser encarado como uma adição e não substituição. Desta forma, é possível preservar o que comprovadamente dá resultado (e passou pelo “teste do tempo”) e estimular a introdução de novas práticas que, somadas às antigas, efetivamente vão colaborar para o enriquecimento do aprendizado humano.
O impacto da cultura na liderança
julho 4, 2016 § Deixe um comentário
Neste tipo de assunto, a pergunta que sempre vem à tona é mais ou menos esta: o que faz um bom (ou grande) líder? Apesar de haver certo consenso em relação às características principais, como bom julgamento, integridade ou gostar de pessoas, há um grande elemento cultural nessa “receita”. A principal razão disto é que liderança é definida implicitamente pelo entendimento que determinada sociedade faz dela. Dependendo do contexto cultural, uma característica pessoal ou uma tendência de comportamento pode ser vista como uma vantagem ou não.
Algumas pesquisas têm demonstrado que o processo de decisão, o estilo de comunicação e até mesmo as tendências do “lado negro” (da força, como em Star Wars) são influenciadas pelas regiões geográficas de onde os líderes vieram. Em especial cito a publicação de Michele J. Gelfand, Miriam Erez e Zeynep Aycan, cujo título “Cross-Cultural Organizational Behavior” (algo como “comportamento organizacional intercultural”), já dá uma dica do que se trata e os trabalhos do psicólogo holandês Geert Hofstede a respeito da influência da dimensão cultural.
Para dar uma “força” para quem tem interesse no assunto, apresento a seguir um pequeno resumo dos 6 tipos de liderança mais comuns que ilustram, de maneira geral, as conclusões das pesquisas. Creio que vale a pena reforçar que para um entendimento pleno dos conceitos, é fortemente recomendável o estudo do material citado.
Processo de decisão
O líder sincronizado: ser um “fazedor”, em sintonia com o que está acontecendo no ambiente, é a chave para ser visto como “material de liderança” (gosto do termo inglês leadership material e quis manter algo parecido em português, mas vale comentar que significa algo como ter uma perceptível tendência para liderança e não necessariamente ser um líder) em regiões como o nordeste da Ásia (por exemplo, China, Coreia do Sul e Japão), Indonésia, Tailândia, Emirados Árabes e boa parte da América Latina (México, Brasil, Colômbia, Chile – os mais citados nas pesquisas). Para “subir” na hierarquia organizacional, tais líderes devem buscar o consenso nas decisões e direcionar os outros, orientando de maneira bem explicadinha (é o chamado processo especificado). Os líderes sincronizados tendem a ser prudentes e estão mais focados em ameaças potenciais do que em oportunidades.
O líder oportuno: como “oportunista” não tem um bom sentido em português, preferi trocar o termo para “oportuno”, mas creio que é perceptível que a característica aqui é a do “aproveitamento das oportunidades”. Este pessoal tem mais iniciativa e flexibilidade em relação à forma como alcançar um objetivo (por favor, sem inferir que um estilo é melhor do que o outro, a questão central gira em torno do que é considerado mais adequado em diferentes regiões). Esta característica é mais apreciada em alguns países europeus, como Alemanha, Holanda, Dinamarca, Noruega e Reino Unido (os mais citados nas pesquisas), nos países ocidentais que tiveram uma influência cultural bastante acentuada do Reino Unido (como EUA, Austrália e Nova Zelândia) e nos países asiáticos que basearam as suas instituições no modelo britânico (Índia, Singapura, Malásia e Hong Kong). Mais ou menos individualistas, esses líderes tendem a arriscar mais.
Estilo de comunicação
O líder direto: em algumas regiões, os liderados esperam que o líder confronte os problemas de maneira direta (recomendo como leitura adicional, o artigo da Forbes escrito pelo Ross Alan Prince, “Want Business Success, Master Constructive Confrontation”). No nordeste da Ásia e em países como a Holanda, a comunicação excessiva não é muito atraente – o pessoal lá quer que o líder vá direto ao ponto. Desta forma, os líderes orientados para a tarefa são os que tem a preferência do “eleitorado”. Eles tendem a fazer reuniões de avaliação de desempenho, com relatórios diretos e a abordarem comportamentos indesejáveis assim que eles são observados. Tendem também a serem menos interpessoais e empáticos.
O líder diplomático: em alguns lugares, finesse e bom trato são importantes não apenas para se relacionar bem, mas para seguir bem na “carreira” – também deixo uma leitura adicional, o artigo de 2003 publicado no Journal of Applied Psychology, intitulado da maneira tão característica dos artigos acadêmicos (explicando tudo já no título) “Using Theory to Evaluate Personality and Job-Performance Relations: A Socioanalytic Perspective”. Bom, em lugares como Nova Zelândia, Suécia, Canadá e grande parte da América Latina, os liderados preferem trabalhar com líderes que são capazes de manter conversas de maneira agradável e amigável. O confronto precisa ser tratado com empatia e de maneira construtiva. Estes tipos de gestores ajustam suas mensagens para manterem a discussão afável e o estilo de comunicação direta é visto como desnecessariamente dura.
Tendências negativas
Como nem tudo na vida é belo, vale “falar” um pouco a respeito de quando a liderança “dá errado” (no estilo when love goes wrong).
O líder “bicicleta”: essa expressão “tomei emprestada” do meu antigo chefe e mentor, Edmour Saiani. A achei adequada para “traduzir” a expressão “kiss up, kick down”. O significado é mais ou menos o mesmo, trata do líder que “abaixa a cabeça” para quem está em cima e “pedala” em que está em baixo. Quando as organizações enfatizam demais a hierarquia e o “charme” do cargo, estimulam um estilo de liderança caracterizado pela deferência excessiva e pela extrema atenção aos detalhes em relação ao trabalho do subordinado. Embora raramente leve a bons resultados de maneira consistente, este comportamento é tolerado em certos países da Ásia Ocidental (Turquia, Índia e Emirados Árabes), na Sérvia, na Grécia, no Quênia e na Coréia do Sul. O líder “bicicleta” tende a ser diligente e zeloso com seus chefes, mas intensamente dominador com quem trabalha para ele.
O líder passivo-agressivo: alguns líderes podem se tornar cínicos, desconfiados e, eventualmente, raivosos, quando submetidos ao estresse. Estas reações geralmente ocorrem quando ele é forçado a perseguir um objetivo ou realizar uma tarefa, sem “acreditar” no que está fazendo. Apesar de um nível de ceticismo ser benéfico, este comportamento, quando exagerado, pode também dificultar a execução de um trabalho. Líderes com esse estilo são mais aceitos na Indonésia e na Malásia, onde a aversão ao conflito não é mal vista. Tendem a ser críticos e ressentidos e, ironia das ironias, sua aversão ao conflito costuma gerar uma maior quantidade deles.
Certamente qualquer indivíduo tem a possibilidade de ajustar o seu estilo de acordo com o contexto, mas é inegável que requer um esforço consciente e concentrado para ir “contra” a sua tendência e hábitos naturais. Também é importante levar em conta a “cultura da organização” (mais um texto como referência, agora do psicólogo belga Christian Vandenberghe), que demanda uma análise mais específica para se identificar as qualidades que promovem e inibem o sucesso (isto porque uma organização nunca é igual a outra). Fica também a dica (a última, prometo), que um grupo de estudiosos identificou no já longínquo ano 2000. Quando alguém tem sucesso em um ambiente que não estimula o seu estilo de liderança, é porque conseguiu redefinir a cultura organizacional de um modo que refletisse a sua própria personalidade. Não é à toa que uma empresa (e uma sociedade) é a soma dos valores e crenças dos seus próprios líderes (e liderados).
Uma vila inteira
junho 16, 2016 § Deixe um comentário
Por algum motivo, decidimos que em nossa sociedade – e de quebra, em nossas instituições educacionais – conversar a respeito de diversidade, preconceito, discriminação e desigualdade com crianças, só quando estiverem mais crescidinhas (o que varia de acordo com a percepção de cada um). Geralmente pensamos que crianças pequenas teriam mais dificuldade em entender estes assuntos complexos ou então somos movidos pelo desejo de poupá-las da exposição às injustiças o máximo possível (embora nem sempre seja possível). No entanto, crianças têm uma forte consciência em relação à justiça e notam diferenças sem desculpas ou desconforto.
A psicóloga Kristina Olson, em um texto publicado em 2013 no site Psychology Today, nota que por volta dos 2 ou 3 anos de idade começamos a ter consciência de que meninos e meninas possuem algumas diferenças e a notar deficiências físicas mais aparentes. Também começamos a ficar mais curiosos a respeito da cor da pele e da textura dos diferentes tipos de cabelos. Alguns de nós, inclusive, já podemos ter ciência da própria identidade étnica. De qualquer forma, aos 5 anos já nos identificamos com o grupo étnico a que pertencemos e somos capazes de explorar a gama de diferenças dentro e entre diferentes grupos étnicos.
Em termos de preconceitos, conforme sugere uma pesquisa de Harvard, noticiada pelo jornal Boston Globe em 2012, crianças de 3 anos quando expostas a preconceito e racismo, tendem a aceitá-los, embora ainda nem compreendam o sentimento. O já citado texto da Dra. Olson, nos traz ainda a informação de que crianças brancas de 3 e 4 anos dos EUA, Canadá, Austrália e Europa, mostram preferência e se sentem mais à vontade com outras crianças brancas do que com crianças de outras etnias.
A importância de conversar “assuntos sérios” com crianças transcende a questão dos preconceitos raciais, de gênero ou religião. É importante que os adultos tenham a consciência de como agir com as crianças que fazem parte de suas vidas. Perpetuar a ideia na criança de que devemos ser “daltônicos” para diferenças raciais ou a calar quando percebe alguém com uma deficiência física, não é a melhor opção. É preciso incentivá-la a notar diferenças (mesmo porque ela já o faz naturalmente), mas ao mesmo tempo, honrar as identidades das pessoas sem julgar ou discriminar com base nessas diferenças.
Sei que não é fácil, muitas vezes nós adultos temos certos desconfortos em falar de diferenças – nem sempre por preconceito, mas muito por receio de parecer tendencioso ou mesmo discriminador. Mas há alguns caminhos que podem facilitar esse trabalho e quem sabe, tornar o mundo um lugar mais seguro de se viver no futuro (escrevo este texto sob o impacto do horror dos acontecimentos em Orlando). Vamos a eles:
- Use a literatura como seu “cobertor”
Há uma enormidade de riqueza nos livros infantis, que pode ser usada para abordar o tema do preconceito, diversidade e justiça social. Há diferentes narrativas que trazem histórias sobre pessoas que são diferentes das suas crianças (em pedagogia, são conhecidos como livros de janela), narrativas para afirmar sua identidade (chamados de livros espelho) ou aquelas que expõem o preconceito ou compartilham histórias de pessoas que se levantaram contra injustiças. A leitura de livros, embora muito esquecida hoje, é uma parte essencial na formação do pequeno ser-humano e, portanto, uma maneira perfeita para abordar o tema. Como exemplo, sugiro o site da Anti-Defamation League, uma organização judaica criada em 1913 para combater o antissemitismo. Quem souber de organizações em língua portuguesa que promovam a conscientização através da leitura, por favor compartilhe.
- Use as notícias do dia a dia como temas
Vivemos no mundo da informação. Há inúmeras fontes delas, em diferentes plataformas. Não é difícil encontrar reportagens relevantes que destaquem abordagens preconceituosas ou mostrem alguém que se levantou contra uma injustiça e prevaleceu. Muhammad Ali, que faleceu no início do mês, pode ser um bom exemplo para comentar a respeito, tanto em relação aos seus pontos fortes (defesa da igualdade racial e religiosa), quanto suas falhas (como no tratamento que deu ao adversário Joe Frazier).
- Dê exemplos familiares
Tire vantagem do interesse das crianças em livros, programas de TV, brinquedos e jogos eletrônicos e os use como oportunidades para explorar a diversidade, preconceito e noções de justiça. A ideia aqui é estar atento ao que pode fornecer abertura para relacionar a realidade delas com a da sociedade em que vivem.
- Explore problemas e soluções
Ajude suas crianças a repensarem conceitos para explorarem possíveis soluções mais adiante. Por exemplo, o conceito “ajudar os outros” pode ser uma boa ponte para incluir discussões sobre desigualdades, o que contribui para o problema e que ações se pode considerar para resolvê-lo. Se você acha que são temas difíceis de se “trabalhar”, dê uma olhada no livro “Comprehension and Collaboration”, dos autores Stephanie Harvey e Harvey Daniels. Lá existem dicas excelentes de como combinar pesquisa, organização do pensamento e colaboração em grupo e aplicar consistentemente no processo de aprendizado de crianças.
Por fim, creio que a dica principal é começar cedo. Sei que criar um ser-humano não é tarefa fácil. Tem sempre alguém que acha que sabe mais do que os próprios pais e é muito conveniente ficar dando dica quando não se tem que dar banho, comida, levar para a escola, buscar, etc. Mas como diz um provérbio africano, “é necessária uma vila inteira para educar uma criança”. Esta é a singela contribuição de um morador.
O efeito Facebook e a diversidade
junho 6, 2016 § Deixe um comentário
Há alguns anos comprei um boné do time de baseball New York Yankees na loja virtual do clube. Nos meses seguintes, toda vez que navegava pela internet, os Yankees estavam ao meu encalço no canto da tela do navegador. Era um bastão assinado pelo Derek Jeter, um anel, uma toalha, camisas mil. Havia sido classificado e recebido um perfil: fã dos Yankees.
O mesmo acontece com os livros que compramos, sites que visitamos, música que ouvimos, filmes que assistimos e ideias que apoiamos. Tudo o que fazemos na rede é reforçado e validado, nunca desafiado. Esta é a realidade ao usarmos a rede social, em particular e a internet, em geral. Os algoritmos usados para analisar nosso comportamento buscam personalizar e customizar nossos gostos e não os contestar.
No final da década de 1980 e início da de 1990, a marca de roupas Benetton usava como slogan a frase “United Colors of Benetton”, em que pregava a diversidade. Hoje, as “cores” propagandeadas pelo nosso comportamento reduziram o interesse de boa parte dos usuários do ciberespaço a um tom apenas. O psicólogo Jonathan Haidt, autor de um excelente estudo a respeito de uma das mais antigas características da sociedade, o tribalismo (o estudo foi publicado no livro “The Righteus Mind”) chama o processo de exacerbação desta característica de “Efeito Facebook” – “Facebook Effect” no original.
Ao se tomar consciência deste processo, vem a inevitável questão: como se livrar desta armadilha online?
O jornalista Marc Dunkelman, em seu interessante livro “The Vanishing Neighbor”, explora a interatividade social e seus efeitos em como, com quem e com que frequência nos comunicamos. Utilizando uma metáfora baseada na classificação dos anéis de Saturno (o planeta possui um complexo sistema de anéis, divididos em 3 níveis – interno, mediano e externo), o autor os relaciona com a proximidade dos relacionamentos de um indivíduo: o “anel interno” seria formado por aqueles como quem temos mais proximidade e os “anéis” “medianos” e “externos” representando conhecidos menos familiares e casuais. Dunkelman documenta uma dramática mudança cultural, onde a maior atenção dispensada por uma pessoa é dada aos membros dos “anéis” “internos” e “externos” em detrimento dos relacionamentos do nível mediano – aqueles com quem temos mais ou menos intimidade, mas que formam a maior variedade dos nossos conhecidos. Esta mudança atinge diretamente o que se convencionou chamar de “networking”, enfraquecendo a rede de contatos de uma pessoa e criando uma linha divisória que intensifica a polarização, uma vez que nos comunicamos mais com quem temos afinidade – os “internos” e com quem conhecemos apenas casualmente – os “externos” (as “conexões” ou “seguidores” das redes sociais). Como consequência, acabamos convivendo em um ambiente mais homogêneo e menos desafiador intelectualmente.
Bom, se a internet está desenhada a entregar mais do mesmo (qualquer que seja o mesmo), para se ter acesso à sua inesgotável diversidade, é necessário variar. Quanto mais abranger os seus interesses, mais possibilidade a pessoa tem de entrar em contato com ideias diferentes, trocar experiências (fortalecendo relacionamentos do nível mediano) e aumentar suas referências (facilitando a conexão do conhecimento).
O desafio que se coloca vai além de um feed não equilibrado de notícias ou do algoritmo de algum site. Trata-se de combater um tribalismo que existe há tanto tempo quanto a humanidade e que agora tem se enraizado no solo fértil da internet – o tornando nem tão fértil assim. Inovação vem da diversidade de ideias e do conhecimento que elas geram. Entrar em contato com elas, é responsabilidade de cada um individualmente. Uma frase que ouvi há vários anos marcou minha relação com a diversidade e com o conhecimento como um todo: “é preciso ter a consciência de que Shakespeare não virá até você, você é que precisa ir até ele”.