Visão abrangente
setembro 10, 2015 § 3 Comentários
Um dos termos em inglês que mais acho interessante é “big picture” (ou sua variação “bigger picture”). É um daqueles termos estrangeiros que não tem muitos correspondentes em outras línguas. Como “saudade”, em português, é preciso entender o seu significado para que possamos compreender o seu real impacto quando colocado em uma frase.
“Big picture” não significa simplesmente “foto grande”, significa visão abrangente (ou a necessidade de abranger a sua visão). Significa expandir o seu entendimento e compreender as diversas relações de algo.
Mas, por que enxergar a “foto grande” é importante? Para compreender de verdade o motivo, é preciso perceber o seu alcance. Uma pesquisa bem abrangente coordenada pela Universidade de Stanford, chamada PERTS – Project for Education Research That Scales – algo como “projeto de pesquisa educacional escalável” – mediu o impacto do pensamento “big picture” em cerca de 1.360 graduandos do ensino médio (lá, a famosa high school), de baixa-renda de escolas públicas de regiões urbanas da Califórnia, Texas, Nova York e Arkansas.
Na primeira etapa de testes, os adolescentes sentavam-se a frente do computador e realizavam testes simples envolvendo subtrações matemáticas, vídeos no YouTube e o jogo Tetris. O objetivo era investigar a presença de uma forma de pensar específica, que chamaram de “aprendizagem com objetivo auto-transcedente”, que em português (ou inglês) claro significa uma forma de pensar que envolva a visão abrangente. Uma espécie de aprendizado “big picture”.
Os adolescentes com “objetivo auto-trancendente”, que concordaram, por exemplo, com declarações de cunho social como “quero me tornar um cidadão educado que pode contribuir para a sociedade” pontuaram mais em medidas como “coragem” e “autocontrole” do que colegas que só relataram motivos para aprender de cunho pessoal, como “conseguir um bom emprego” ou “ganhar mais dinheiro”.
Possivelmente você pensou o que eu pensei ao ler a pesquisa, “e daí?”. Daí, que os adolescentes mais “altruístas” eram também os menos propensos a sucumbir às distrações digitais, resolviam mais problemas de matemática e eram os mais interessados em se matricular em uma faculdade no ano seguinte. O motivo? Eles conseguiam enxergar a “big picture”.
Isto ficou mais evidente na segunda etapa de testes feitos com o mesmo grupo, que investigou se o fato de possuir um “senso de propósito” melhorava o rendimento em matemática e ciências. O grupo identificado como mais altruísta escrevia pequenas redações explicando porque não estudavam para simplesmente arrumar um emprego e porque queriam realizar algo relevante no mundo. Estas redações eram lidas pelos participantes mais individualistas em diversos períodos ao longo dos meses seguintes. Ao final do ano letivo, os pesquisadores avaliaram a performance dos adolescentes. Perceberam algo interessante em relação aos participantes mais individualistas, estes tiveram uma melhora nas matérias avaliadas de cerca de 20%. Ao checarem o motivo, descobriram que ao conseguirem “enxergar” além do “próprio umbigo”, os adolescentes desenvolveram uma maior capacidade de planejamento e organização do próprio tempo. O “senso de propósito” os auxiliou a tornarem suas mentes mais curiosas e adaptativas.
A pesquisa ajuda a perceber, no meu entendimento, a importância de pensar em como estruturar um ambiente de aprendizagem que possa estimular o desenvolvimento de mentes mais curiosas. Sem ela, as gerações futuras não terão possibilidade de resolver questões como mudança climática e desigualdade social ou lidar com os impactos da globalização nos locais aonde vivem. Impacta diretamente no tipo de sociedade em que viveremos em 10, 15 ou 20 anos. Instigar um “senso de propósito” para estimular uma visão mais abrangente e uma criticidade maior no pensamento, ao meu ver, é parte desse processo.
[…] o post passado sinalizando a importância de se pensar em como estruturar um ambiente de aprendizagem que […]
Por ambiente de aprendizagem você fala só no aspecto físico ou algo mais amplo. Por exemplo, eu considero que jogos educativos, para funcionarem devem ser considerados mais como ambientes de aprendizagem do que necessariamente ferramentas para induzi-la.
Boa pergunta Renato. Considero ambiente de aprendizagem algo mais amplo, não apenas infraestrutura, mas também as crenças que permeiam o aspecto físico. Penso que vai além da implementação de um determinado método educacional, está mais ligado como a pessoa “vê” o aprendizado e a importância que dá ao conhecimento. Costumo dizer que a área educacional é a que tem mais “telhado de vidro” porque não existe “resposta certa”. O que existe são caminhos, opções, que podem dar certo em determinada situação e não tão certo em outra. Por isso ter critérios objetivos para avaliar um caminho educacional escolhido é fundamental. Eles ajudam na correção de rumo ou mesmo na mudança da proposta.