Criar, aprender e se fazer as perguntas certas
julho 21, 2016 § Deixe um comentário
Criar é tão antigo quanto aprender. De ferramentas de pedra a desenhos nas cavernas, a criação humana se confunde com a própria atividade da nossa espécie. Podemos afirmar, com pouca dúvida, que “está em nosso sangue”. Por que então nosso sistema educacional – com raras exceções – se preocupa tanto com o conceito, muitas vezes em detrimento da própria aplicação prática? Talvez a resposta esteja em nossas próprias diretrizes educacionais.
A Lei 9.394/1996, também conhecida como “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”, estipula em seu artigo 32 os objetivos do ensino fundamental, que se inicia aos 6 anos de idade e tem duração de 9 anos. Como é um pouco longo, sugiro que quem tiver interesse de lê-lo na íntegra, baixe gratuitamente o livro “Legislação Brasileira sobre Educação”, editado pela Câmara dos Deputados. De qualquer forma, um pequeno resumo se faz necessário: temos como objetivos desenvolver a capacidade de aprendizado (leitura, escrita e cálculo como elementos para tal) e de aprendizagem (conhecimento, habilidades, atitudes e valores), a compreensão do ambiente da sociedade e o fortalecimento dos vínculos sociais. Com exceção de uma referência tímida ao desenvolvimento de habilidades (que está ligada à implementação), a maior parte dos objetivos do sistema educacional brasileiro está ligado diretamente à conceptualização (tanto no aprendizado quanto na socialização). Para facilitar o entendimento, dou como exemplo o ensino de literatura. Muito provavelmente, se estivermos aprendendo literatura, seremos orientados a ler determinados livros e nosso entendimento da narrativa literária será avaliado por meio da nossa capacidade de conceptualização dela (redação, prova, etc.). Dificilmente seremos instigados a “implementar” a narrativa, por meio da encenação de uma peça, por exemplo.
Pensadores educacionais como Johann Pestalozzi, Maria Montessori, Seymour Papert – além dos nossos próprios Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro – ajudaram a pavimentar o caminho alternativo do que vem sendo chamado atualmente de “maker movement” (movimento criador ou fabricante), salientando a importância da aprendizagem significativamente centrada na implementação prática do conhecimento. Ao invés de verem a aprendizagem como a transmissão de conhecimentos de professor para aluno, esses pensadores abraçaram a ideia de que os seres-humanos aprendem melhor quando encorajados a descobrir, reproduzir e experimentar.
No coração do “movimento”, está a crença de que todos os alunos são criadores. Em vez de apenas receberem materiais que estimulem a memorização para testes, os aprendizes são incentivados a usar o que sabem para projetar e construir, seja utilizando objetos do cotidiano para explorar a tecnologia ou usando uma impressora 3D para construir uma prótese mecânica para uma criança. Colocar a “mão na massa” tem um papel fundamental nesse processo, tanto que o local de aprendizado se parece mais com uma oficina do que com uma sala de aula. Apostilas ou livros didáticos são mais propensos a serem utilizados como referência – uma ferramenta para ajudar os alunos a experimentarem e construírem – ao contrário das aulas tradicionais, onde memorizar o livro muitas vezes é o próprio objetivo.
Um dos métodos mais utilizados nesta metodologia é o project-based learning (aprendizado baseado em projetos), que abordei em outros textos (quem se interessar, um link compilatório). O citei apenas como referência, o que gostaria realmente de abordar a seguir é a mentalidade envolvida no processo. Mais do que ferramentas ou tecnologia, a metodologia incentiva o aprendiz a formular as próprias perguntas e perseguir as respostas de forma orgânica. Em contraste com a abordagem da “única resposta correta”, a mentalidade envolve a busca de maneiras de se aproximar dela através da experimentação e a “jogar” com as possíveis resoluções dos problemas. Os erros são entendidos como parte da aprendizagem, uma vez que incentivam os aprendizes a ultrapassarem os limites das suas capacidades atuais. Como todo bom cientista entende, cada erro cometido é uma oportunidade de incorporar o que foi aprendido com ele e a testar uma nova maneira de resolver os desafios – muitos deles, nem previstos anteriormente. Em uma cultura educacional que coloca um enfoque excessivo em provas conceituais, há um alto risco de se formar adultos focados em encontrar as “respostas certas”, quando deveriam pensar prioritariamente nas “perguntas certas”.
O questionamento é uma forma poderosa de aprendizagem. Barron e Darling-Hammond, em pesquisa publicada em 2008, mostram que os alunos aprendem de maneira mais profunda quando têm a oportunidade de aplicar conhecimentos adquiridos em sala de aula nos problemas do mundo real. Fazer perguntas fornece contexto, que por sua vez, ajuda a reforçar a aprendizagem. Isto acontece, porque desta forma quem aprende é estimulado a transferir a sua aprendizagem para novos tipos de situações, incluindo aquelas que ocorrem fora da sala de aula.
Como a maioria de nós, fui criado em um modelo educacional que estimula a conceptualização excessiva e tive muita dificuldade em colocar “na vida real” o que aprendi no colégio e na faculdade. Felizmente, encontrei em minha vida profissional pessoas que me incentivaram a pensar em formas de aplicar o que sabia e tiveram a paciência de não me demitir quando algo não saia como deveria. Confesso que tive sorte e que esta não é a realidade da maioria, portanto o quanto antes se comece a incentivar a aplicação do conhecimento, melhor para a sociedade.
Para melhor fluidez do texto, evitei colocar as referências acadêmicas do “maker movement”. Corrijo isto, compartilhando a bibliografia logo abaixo para quem tiver interesse em explorar mais a metodologia.
Bibliografia
- Barron, B. & Darling-Hammond, L. (2008).Teaching for Meaningful Learning: A Review of Research on Inquiry-Based and Cooperative Learning (PDF) Book Excerpt. George Lucas Educational Foundation.
- Dougherty, D. (2013). “The Maker Mindset.” In M. Honey & D.E. Kanter (Eds.) (2013),Design, make, play: Growing the next generation of STEM innovators (pp.7-11). New York: Routledge.
- Eddy, S.L. & Hogan, K.A. (2014). “Getting under the hood: how and for whom does increasing course structure work?“CBE-Life Sciences Education, 13(3), pp.453-468.
- Halverson, E.R. & Sheridan, K. (2014). “The maker movement in education.”Harvard Educational Review, 84(4), pp.495-504.
- Kontra, C., Lyons, D.J., Fischer, S.M., & Beilock, S.L. (2015). “Physical experience enhances science learning.”Psychological science, 26(6), pp.737-749.
- Martinez, S. & Stager, G. (2014).The maker movement: A learning revolution. Arlington, VA: International Society for Technology in Education (ISTE).
- National Science Foundation (2015).Women, Minorities, and Persons with Disabilities in Science and Engineering: 2015. Arlington, VA: National Center for Science and Engineering Statistics.
- Riskowski, J.L., Todd, C.D., Wee, B., Dark, M., & Harbor, J. (2009). “Exploring the effectiveness of an interdisciplinary water resources engineering module in an eighth grade science course” (PDF).International Journal of Engineering Education, 25(1), p.181.
- Wittemyer, R., McAllister, B., Faulkner, S., McClard, A., & Gill K. (2014).MakeHers: Engaging Girls and Women in Technology Through Making, Creating, and Inventing (PDF). Intel.
Sobre dados
abril 14, 2016 § 1 comentário
Passadas as definições estratégicas de um projeto de Data Analytics com viés educacional, é hora de pensar especificamente no seu “coração”, os dados. É preciso ter claro alguns pontos: qual informação se quer conhecer; quais conjuntos de dados expressam essa necessidade, como eles serão conseguidos e finalmente, como serão usados.
Vamos focar no primeiro ponto, o mais básico deles: qual é a informação que o projeto deve entregar? Para responder esta pergunta, é preciso refletir nos benefícios que se espera atingir com ele. Se quisermos melhorar o nível de aprendizagem, é necessário focar em obter informações que demonstrem o nível de retenção e os conhecimentos que geram mais dúvidas. As “mídias” em que este conteúdo é entregue, também podem ajudar bastante na análise posterior e definição da estratégia para melhorar a aprendizagem. Se o benefício que se deseja for outro, como por exemplo, desestimular o abandono, as informações geradas também mudam. Foca-se em tempo gasto em estudo, performance em exames, interação, dentre outros.
O importante é ter em mente que informação é dado contextualizado, se não se souber que informação se deseja, não há como saber que dado procurar. Daí o segundo ponto, definir os conjuntos de dados que expressam essa necessidade. Como já abordei alguns exemplos de dados associados a informações, vale focar em uma outra questão importante neste momento. Fora as informações já relacionadas como importantes, existem outras que possam emprestar contexto ou adicional valor à sua análise? É importante ter em mente esta resposta, porque ela pode acrescentar outros dados contextuais à análise.
O ponto seguinte gira em torno da definição – ou melhor – localização das fontes que contém esses conjuntos de dados. Banco de dados que contenham informações acadêmicas, disciplinares, acesso a sistemas online, rankings de performance, são tantas as fontes possíveis, que neste momento é possível que o projeto de Data Analytics se transforme em um projeto de Big Data Analytics. É aqui que se sentirá a importância de se ter “parado” antes para realizar a definição estratégica do projeto. Ela mantém claros o motivo e o objetivo que se quer alcançar, neste momento em que é fácil perder o “horizonte” do escopo.
Aqui também vale abordar o tópico, comumente chamado na área de análise de dados, de dark data. A definição mais aceita, diz que são os dados gerados durante as atividades regulares que não são usados. Similar à “matéria escura” da física, os dark data constituem a maior parte dos dados de qualquer organização. A Gartner, uma das maiores empresas de pesquisa e consultoria de TI do mundo, descobriu que boa parte das organizações usa apenas 15% dos dados que gera. O resto fica escondido em locais de difícil acesso ou localização, em sistemas legados ou em data stores. Não haveria problema, se não fosse o fato de já se estar pagando para armazenar todos esses dados, por que então não considerá-los?
Como os dados serão usados?
Para abordar o último ponto citado no início do texto, vale levar em consideração 5 elementos, que vão ditar o que precisa ser feito para cada conjunto de dados (ou big data, dependendo da evolução do projeto).
1) Preparar-se para o volume: é preciso ter em mente que quando se “trabalha” com dados, se “trabalha” com volume. É muito importante “classificar” seus dados, isto faz toda a diferença quando o volume começa a aumentar. Para fazer essa classificação, baseie seus dados em dimensões. Por exemplo, valor (gastos de manutenção do sistema, por aluno, por disciplina, etc.); uso (frequência de acesso, de presença, etc.); tamanho (gigabytes, terabytes); complexidade (dados relacionais, gerados por interação com máquinas, automáticos, etc.), tipos (vídeo, texto, imagem, etc.); permissão de acesso (usuário comum, administrador, desenvolvedor, etc.). Sei que cansa só de ler, imagine quando estiver disponível em alguma tela ou documento de análise. Dimensões ajudam a priorizar o que olhar e em que momento.
2) Levar em consideração a variedade: o aspecto mais desafiador da análise de dados é a imensidão de formatos e estruturas que devem ser conciliadas. É preciso integrar inúmeras fontes e manter “espaço” para integrar novas. Por exemplo, se em algum momento do projeto se quiser conhecer o impacto social das ações educacionais (é uma realidade caso se esteja usando algum financiamento de terceiros, como ONGs ou do próprio governo), estes novos dados terão que “conversar” com as fontes de dados já utilizadas (banco de dados relacionais, sistemas legados, mainframes com informações públicas, dentre outros). Considerar a variedade é essencial para ser assertivo.
3) Manusear com velocidade: a combinação de fluxo de dados em tempo real (os chamados real-time data streaming – que nada mais são do que os dados gerados pelos usuários durante o acesso) e os dados históricos (que já estão “guardados” em algum banco de dados) aumenta o “poder preditivo” da análise, portanto é interessante considerar no projeto tecnologias de streaming analytic e infraestrutura lógica para gerenciar estes dados com a velocidade necessária.
4) Garantir a veracidade: a melhor análise de dados feita não servirá para nada se as pessoas que receberem estas informações não confiarem na veracidade dos dados utilizados. Quanto mais dados houverem, mais importante se torna garantir a qualidade deles. A qualidade de um dado está ligada à sua “preparação”. Preparar um dado significa realizar sua curadoria e limpeza. Alguns tipos de dados, como os financeiros por exemplo, precisam ainda de certificação de veracidade ou de compliance, que geralmente são emitidos por institutos independentes ou agências governamentais. O ideal é criar categorias de dados, baseadas no nível de preparação, que pode variar de dados brutos à altamente cuidados. Deixe claro, em todos os momentos, para todos os envolvidos, o nível de preparação a que os seus dados foram submetidos.
5) Definir requisitos de conformidade: os diferentes conjuntos de dados usados “virão” com diferentes estipulações ou requisitos de segurança. Para cada um deles, deve-se pensar no custo (financeiro e de esforço) e nas maneiras para tornar os dados “anônimos”, com base em políticas de segurança ou confidencialidade. Para isto, é necessário entender quais são e onde estão os dados sensíveis, mantê-los seguramente criptografados e controlar o acesso a eles.
Para que um projeto de Data Analytics – de uma maneira geral e não apenas com viés educacional – se torne realidade e seja útil, é preciso torná-lo realístico. Os pontos que abordei neste texto ajudam nesse objetivo, considerá-los ao planejar e implementar pode ser a diferença entre não ir além do piloto – segundo a já citada Gartner, até 2017 60% dos projetos de Data e Big Data podem estar nesta situação – ou implementar com sucesso um sistema inteligente de análise de dados.
Como ser um aprendiz online?
fevereiro 23, 2016 § Deixe um comentário
Quando se “fala” em aprendizado online, a primeira “coisa” que vem à mente são os tipos de cursos comumente chamados de “cursos online”. Embora se tenha a impressão de que são, digamos, uma versão pré-formatada de e-learning, curso online pode ser desde um tutorial até palestras gravadas ao vivo e disponibilizadas posteriormente. Há “1 milhão” de possibilidades do que se pode fazer.
A postura de quem se utiliza de aprendizado online conta tanto quanto o tipo de “curso” escolhido. Os dois pontos principais aqui são o comprometimento com a oportunidade de aprendizado e a participação ativa no processo. “Correr atrás” é importante para se fazer qualquer coisa, em aprendizado online assume um caráter essencial. Como é o aprendiz quem “conduz” o processo, proatividade é a diferença entre aprender ou não.
Como já escrevi a respeito de autoaprendizado em outros textos, possivelmente soarei repetitivo. Algumas atitudes são fundamentais e o fato de aparecerem recorrentemente, em minha opinião, só reforça a sua importância. O cerne da questão aqui é aumentar o horizonte educacional, portanto:
Descubra suas preferências de aprendizado: todos temos necessidades e preferências pessoais. Conhecer as próprias, é fundamental para escolher o que funciona melhor para si e a abordagem mais apropriada. Alguns retém melhor o conhecimento de forma visual, outros funcionam melhor ouvindo. Com o aumento cada vez maior da velocidade de navegação, a internet permite diferentes possibilidades. Uma vez identificado o seu gosto, fica mais fácil escolher atividades e exercícios que oferecem o melhor retorno.
Se dê tempo para refletir: para reter e absorver o que se está aprendendo, é preciso ter a chance. Como o processo acontece no seu ritmo, a pior decisão possível é correr para passar para o próximo módulo. Refletir em um tópico visto e desenvolver a sua própria opinião a respeito dele, facilita a memória de longo-prazo. Isto acontece porque o conhecimento novo é associado a conhecimentos pré-existentes na “forma” de correlação de ideias. Entre cada aula ou atividade online, se permita um tempo para pensar sobre os pontos principais – há um termo em inglês para representar esses pontos que acho incrível, takeaways – e formar suas próprias conclusões sobre como aplica-los no mundo real.
Estabeleça metas pessoais: o centro de um aprendizado é o seu objetivo. Para que aprender um “truque” novo, se o antigo ainda funciona? A motivação pessoal exerce mais influência durante um aprendizado do que em qualquer outro momento. Não é fácil se manter em curso, por isso ter claro aonde quer chegar é fundamental. Mais do que uma visão em longo prazo, “aonde quer chegar” pode ser dividido em pequenas metas, que permitam acompanhar a sua evolução ao longo do caminho por meio de pequenos desafios ou autoavaliações.
Transforme o aprendizado em uma experiência social: aprendizado consistente não é um desafio solitário. Encontrar pessoas com interesses e ideias semelhantes em redes sociais ou em fóruns online, permite não apenas colaborar com “pares”, mas também se beneficiar com suas habilidades e insights – além de se cercar de outros aprendizes online com tanto (ou mais) vontade em aprender.
Desafie suas ideias e opiniões pré-existentes: um cara que não canso de citar é o Eduardo Giannetti, um economista de formação que se tornou (na minha opinião) um dos pensadores brasileiros mais originais. O Giannetti tem um livro chamado “O mercado das crenças” em que instiga o leitor com a defesa da “tese” de que só acreditamos no que queremos. Quem quiser se aprofundar, recomendo a leitura, mas o que quero sinalizar é a importância de não se “apegar” às próprias ideias e convicções. Esta atitude pode ser até boa para “transmitir credibilidade” (embora discorde), mas é péssima para o aprendizado. Seres-humanos geralmente tem aversão em “escutar” que algo que acreditam é incorreto ou “mal informado”. Certamente ninguém é “dono da verdade”, mas “duvidar” das suas ideias e opiniões pode “abrir” um mundo de novas oportunidades de aprendizado.
Se permitirmos a possibilidade de que algo que acreditamos, muitas vezes durante anos, ser questionável, podemos descobrir coisas novas sobre nós mesmos e o mundo. Isto abre a “ cabeça” e o “coração” para um aprendizado que nunca acaba.
Flipped Classroom em 5 (fáceis) passos
janeiro 19, 2016 § Deixe um comentário
Muita gente tem experimentado uma mudança que, penso eu, em alguns poucos anos será inevitável para boa parte do mundo: integrar tecnologia com a metodologia de ensino tradicional. Um método tem se destacado neste esforço, o chamado flipped classroom – em uma tradução aproximada, “sala de aula invertida” (AQUI o que já escrevi sobre o tema) – por ajudar a tornar as “aulas” e o “ambiente” em sala mais pessoal e por facilitar a retenção do conhecimento passado.
Antes de abordar as dicas para ajudar quem se interessar em implementar, creio que vale uma pequena introdução ao tema. Em uma sala de aula tradicional, o professor é o foco principal da aula e o aluno o olha como o detentor do conhecimento. Esses alunos também são estimulados a utilizar apostilas e praticar seus exercícios fora da aula, em seus deveres de casa.
Uma “sala de aula invertida” é uma forma de blended learning, onde os aprendizes recebem o conteúdo online por meio de vídeos ou palestras, geralmente em casa, e o “dever de casa” é feito em sala de aula, com a orientação e apoio do professor, que promove discussões e resoluções conjuntas de atividades. A interação professor-aluno tende a ser mais pessoal, com a orientação substituindo o repasse de conteúdo.
Segundo dados da organização Flipped Learning Network, destinada a divulgar a prática, 9 em 10 professores que “inverteram” suas aulas notaram uma mudança positiva no comprometimento de seus alunos com o aprendizado. Outro dado que chama a atenção é o número de professores que experimentaram o método nos EUA. Em 2012, 48% deles “inverteram” ao menos 1 aula, em 2014 o número havia subido para 78% (ainda não foram divulgados dados de 2015, mas a tendência era de alta pelo quarto ano consecutivo).
Existem diversas formas de se promover uma flipped classroom (é possível encontrar na própria organização citada, Flipped Learning Network, uma série de orientações). Minha intenção é dar 5 passos (ou dicas) para facilitar o “pontapé inicial”.
Passo 1: Grave um vídeo
Uma das formas mais usuais de “inverter” uma aula é gravá-la (ou gravar um vídeo específico sobre determinado assunto). Para experimentar, utilize alguma ferramenta online de gravação. Para ajudá-los aí vão 12 ferramentas que podem auxiliar na gravação e 5 melhores práticas a serem seguidas.
Passo 2: Compartilhe com os aprendizes
Após criar seu vídeo, o compartilhe online – usando o YouTube, por exemplo – ou uma LMS, como a Digital Chalk – para que os aprendizes possam assisti-lo fora do horário de aula (esse ponto é importante, do contrário não há “inversão”). Avise-os para que se preparem para debater o assunto e participarem dos exercícios em sala.
Passo 3: Encoraje a preparação pessoal e a participação em sala
Deixe claras as expectativas e o objetivo dos vídeos a serem assistidos em casa. Muitos professores distribuem ementas de aulas e um calendário de atividades. Alguns encorajam a preparação de seus aprendizes por meio de quizz ou lista de perguntas a serem respondidas.
Passo 4: Promova atividades em sala
Uma vez “liberado” o tempo de repasse de conteúdo, este deve ser “preenchido” por atividades em sala. É muito importante utilizar o horário de aula para feedback imediato e resposta a dúvidas encontradas. Também é válido facilitar e encorajar debates entre os aprendizes para estimular a colaboração e, de quebra, o aprendizado.
Ferramentas de discussão online podem auxiliar na preparação e para levantar pontos a serem esmiuçados em sala. Para ajudá-los, algumas dicas para promover o engajamento via fórum online.
Passo 5: Repita os passos anteriores
Em uma sala de aula completamente “invertida”, todo o repasse de conteúdo acontece fora dela. Isto significa ter todas os assuntos gravados, arquivados online e prontos para serem usados. Lembre-se de ter todas as suas atividades de sala planejadas de antemão – da mesma forma que faria em um modelo de aula tradicional.
Antes de fechar, vale tocar em um ponto adicional. É possível que ao aprofundar sua pesquisa a respeito do tema, você encontre o termo flipped learning. Apesar de usarem termos similares (flipped), inverter a sala de aula e o aprendizado são “coisas” diferentes. É possível implementar o método de flipped classroom dentro da filosofia tradicional de ensino, é apenas uma questão de inverter a estrutura – o “dever de casa” é feito em sala e o conteúdo é repassado em casa. Flipped learning envolve uma mudança de filosofia e impacta diretamente o ambiente de aprendizado, a cultura de aprendizado, o conteúdo e o profissional de educação envolvido – tanto que o termo F-L-I-P virou um acrônimo dos 4 pilares de sustentação do modelo, na ordem: Flexible Enviroment (ambiente flexível); Learning Culture (cultura de aprendizado); Intentional Content (conteúdo específico); Professional Educator (profissional educador).
Conclusão: uma coisa não é outra. Flipped classroom pode levar (mas não necessariamente) ao flipped learning. Para tal, é preciso incorporar os tais 4 pilares (sugiro a leitura deste material aos interessados) à crença pessoal do professor.
Pessoalmente, acredito que algo novo – até pela própria incipiência inicial – deva ser experimentado aos poucos, em projetos pilotos, para que cada um possa visualizar por conta própria a validade (ou não) do proposto. Minha sugestão é que os interessados foquem em “inverter” a sala de aula antes de “alçar” voos mais altos.
Educação corporativa em 2020
outubro 30, 2015 § Deixe um comentário
Enquanto o tempo de uso da internet aumenta, diminui o tempo que “gastamos” lendo uma notícia ou visitando websites. Quanto mais diversificada a informação consultada, menos profundidade se dá a cada uma delas. Essa é uma tendência bem atual – não é à toa que qualquer informação no Twitter tem que ser passada em 140 caracteres.
Não é tarefa fácil analisar o impacto dessa mudança de comportamento no futuro, mas uma coisa é certa: é evidente que “consumimos” a informação de maneira diferente hoje e é essa forma que nos leva a procurar por respostas ou soluções imediatas para as questões do dia a dia. Não quero entrar em conclusões (principalmente se a prática é boa ou não), mas com base no comportamento, é compreensível a expectativa da “imediatibilidade”.
No nível corporativo, a tendência influencia a comunicação entre a empresa e seus clientes, seus funcionários, a sua infraestrutura, a sua dinâmica de trabalho, etc. Não é uma questão tecnologia apenas, é algo mais profundo. Não é uma mudança de paradigma (perdoem-me o chavão, mas em alguns momentos ele é válido) na comunicação e sim nas relações sociais. Levar em conta as implicações sociais dessa tendência auxilia a se adaptar a ela (e a se beneficiar dela, por que não?).
Em educação corporativa, penso que essa tendência pode (e deve) influenciar a maneira como os funcionários “visualizam” seu próprio treinamento. Na minha opinião, essa “visualização” passa (ou vai passar) por alguns pontos:
- Uma forte preferência para canais de comunicação que permitam transmissão de dados tanto síncrona quanto assíncrona. Para quem não está familiarizado com os termos, dê uma olhada AQUI.
- Flexibilidade é uma expectativa chave. Funcionários esperam cada vez mais flexibilidade, em todos os níveis, com isso ela deixa de ser uma demanda e passa a ser uma necessidade.
- Flexibilidade impacta em outro tópico, autogerenciamento. Sei que não “serve” para todos os perfis, mas impacta de alguma forma na utilização do tempo, das ferramentas e dos recursos usados para o trabalho.
- O fenômeno BYOD (Bring Your Own Device – algo como “traga o seu próprio aparelho) é cada vez mais notável. A empresa deve se preparar e chegar a um acordo em relação ao uso de aparelhos ou serviços que, a priori, parecem dispensáveis para a performance dos funcionários. Vai desde serviços e aplicativos como Evernote, até ferramentas mais complexas como os “ambientes de desenvolvedores” nas nuvens (os IDEs).
- Informações apresentadas de forma clara e direta. A tendência descrita no início do texto, impacta diretamente aqui. As pessoas tendem a se beneficiar mais tendo contato com o “núcleo” da questão.
- Outro ponto em relação à apresentação de informação diz respeito à sua aparência. A tendência também influencia diretamente no modo como se “escolhe” a informação, portanto fazê-la parecer interessante e chamativa é importante (novamente, não entro em conclusões em relação à qualidade da prática). Dessa maneira, o conteúdo multimídia se torna especialmente relevante.
- É indispensável considerar a mobilidade como ponto fundamental na educação corporativa. Não apenas na “entrega” ou disseminação da ação educacional, mas como um modo de facilitar a ubiquidade[1] dos funcionários.
Concorde-se ou não com a tendência exposta, é preciso ter em mente duas coisas. A primeira é que a razão disto não é a tecnologia, mas o uso que escolhemos fazer dela. O elemento “tempo” foi propositalmente deixado de fora quando se criou a “programação computacional”. Isso quer dizer que para a “máquina” pouco importa se você vai responder uma mensagem em 2 segundos ou em 10 horas. Dá no mesmo para ela, o que importa são os comandos. A “máquina” só vai enviar quando você der o comando “send”.
A segunda é que na era da conectividade permanente, o aprendizado tende a caminhar para o não-formal. Isso quer dizer que colocar um grupo em um mesmo espaço para participar de um treinamento ou um workshop corporativo nos moldes tradicionais vai ser, cada vez mais, difícil. É preciso começar a deixar um pouco de lado os conceitos do Malcolm Knowles (que popularizou o modelo palestra/curso/workshop) e começar a “misturar” Alan Turing com John Dewey, incluir a tecnologia e a implementação prática para estimular o aprendizado.
[1] Não é um termo usual, mas significa a faculdade “divina” de estar concomitantemente “presente” em toda parte e a todo momento.
Learning Analytics – parte 2
outubro 9, 2015 § 2 Comentários
Terminei o post anterior com um teaser “prometendo” abordar como o conceito pode afetar no futuro o nosso entendimento a respeito do que é educação. Ao invés de “entrar direto” nesse assunto, gostaria de começar com os pontos fracos do modelo. Por mais que se acredite em algo, é preciso considerar os seus possíveis problemas. É apenas desta forma que podemos nos preparar para enfrentá-los, caso se apresentem.
A primeira “leva” deles diz respeito às suas limitações e custos. Quando indicadores (ou qualquer tipo de métrica) são utilizados para interpretar termos subjetivos (por exemplo, engajamento do aprendiz, interesses, etc.), a possibilidade de erros de interpretação é significativa. É preciso considerar esse cenário e entender que muitas vezes se atuará como em um “jogo” de tentativa e erro. Mesmo porque, dificilmente se terá condições de padronização (criar padrões que possam tornar a interpretação mais objetiva).
Dados levantados por organizações[1] voltadas à educação mostraram que de 70% a 85% da análise dos dados levantados por modelos que utilizam o conceito “Learning Analytics” precisam ser feitas por seres humanos. Isto quer dizer que atividades como limpeza, formatação e alinhamento de dados serão feitas por pessoas (e não algoritmos). Não vou negar que isto aumenta (bastante) o custo de um projeto desses.
A segunda “leva” de possíveis problemas explica, de certa forma, porque o conceito ainda não é amplamente usado. Ainda há restrições, tanto de aprendizes quanto de professores, a respeito da privacidade. Quem tem acesso aos dados? Como serão usados? Que tipo de informação pessoal precisa ser usada? São considerações que influenciam na motivação de quem utiliza e que são essenciais quando a quase totalidade dos dados passam por seres humanos. Compreender essas limitações é fundamental para uma “entrega” eficiente utilizando o conceito.
Mudando um pouco o enfoque, vamos pensar nos possíveis impactos do conceito “learning analytics” no futuro da educação. O principal é a mudança no modo de entendermos o aprendizado. Sairemos do entendimento via hipóteses – como é atualmente, baseado em conceitualização, sobretudo teórica – para um entendimento baseado em análise de dados. Isto, por si só, não é pouca coisa porque acrescenta à formação teórica de profissionais de educação a necessidade de entender modelos analíticos. Isto envolve:
- Capacitar educadores a diferenciar via “learning analytics” aprendizes que iniciam lentamente e aceleram em um momento posterior dos que realmente estão com dificuldades no aprendizado.
- Possibilitar que os aprendizes realmente “customizem” o seu aprendizado, fornecendo um retrato amplo da sua performance.
- Introduzir o conceito de peer grading (algo como classificação pelos pares) e self-grading (algo como auto-classificação) associados à classificação pela performance (a temível meritocracia, tão combatida em nosso país) para determinar o nível de graduação dos aprendizes, já que o conceito “meio que” inviabiliza a divisão em turmas ou séries, por ser altamente “customizador”.
- Acrescentar “mais um papel” às várias personas do professor. Além de instrutor e facilitador, também analista. É preciso checar se não é muito papel para uma pessoa só e se a vocação pessoal permite esta inclusão. É muito simples “deixar nas costas” de quem está na ponta esses “pormenores”. Não é pormenor e não são todos os professores dispostos a fazer esse papel. Penso que esse ponto é o maior entrave para o conceito e que não é algo facilmente resolvido. Talvez seja necessário ter vários tipos de profissionais dedicados a promover o aprendizado atuando na ponta, mas obviamente, aumenta (e muito) o custo de uma educação formal.
Vale também acrescentar a necessidade de se estimular desde cedo a habilidade do autoaprendizado. Não adianta criar um ambiente que permita “personalizar” o processo de aprendizado se quem for aprender não tiver a capacidade de conduzir este processo.
Há 3 anos, estudos mostravam um horizonte para a adoção desse conceito por uma quantidade mais ampla de pessoas para 2 ou 3 anos. Esse tempo já transcorreu sem que a previsão se concretizasse. Sou da opinião de que no período de 1 ou 2 gerações (de 25 a 50 anos) teremos um sistema educacional muito diferente do que temos hoje. Quem estava na “escola” por volta de 1990 pode atestar o quanto já mudou nos últimos 25 anos. Como diz o personagem Buzz Lightyear: “ao infinito… e além”.
[1] Organizações como OpenColleges, Edudemics e Educause.
Como usar o celular em sala de aula
setembro 29, 2015 § 1 comentário
Quando algum assunto aparece na TV brasileira, normalmente é porque já atingiu um nível alto de debate (sejamos francos, a pauta jornalística das nossas emissoras, com raras exceções, não é definidora de tendências). Recentemente, tenho notado um crescente interesse a respeito do assunto “vício tecnológico” ou “digital”. Acho válidas as diversas opiniões a respeito, mas creio que algumas envolvendo o uso de celulares em escolas são mais carregadas de preconceitos do que abertas à exposição de opções. Dessa forma, penso que seguem mais uma linha tendenciosa.
Todas as opiniões que tenho visto condenam o uso e colocam a ferramenta no papel de vilão do baixo rendimento do aprendizado. Certamente o uso sem critério provoca desfoque, mas a questão central – que não percebi em nenhuma reportagem a que assisti – é exatamente a definição de critérios de uso que estimulem a sua associação ao aprendizado. Quando a questão dos critérios era citada (esporadicamente), envolvia restrições ou mesmo a proibição ao uso.
Critérios de uso significam estruturas e rotinas. No caso do celular, é preciso em primeiro lugar encará-lo da mesma forma que cadernos e canetas são encarados, como material escolar que os alunos trazem de casa. Sei que tentar algo novo em sala de aula pode ser intimidador, especialmente quando envolve tecnologia. Mas penso ser mais prejudicial encará-la como inimiga, ainda mais quando pode atuar como aliada dos professores no desafio de engajar os alunos e criar um ambiente estimulante intelectualmente.
Mas que estruturas e rotinas poderiam ser usadas para definir os tais critérios de uso? A seguir, pretendo abordar algumas facilmente implementáveis. É a minha contribuição ao debate.
1) Crie um sistema de identificação: não importa o equipamento (celular, tablet ou notebook), é preciso que seja identificado com o nome de cada aluno que o utiliza. Isso vale tanto para equipamento de propriedade do aluno quanto para equipamento fornecido pela instituição. São ferramentas caras, por isso é preciso vinculá-la ao usuário de alguma forma. Os alunos precisam saber que são responsáveis pelo bem-estar dos seus equipamentos e que podem ser facilmente identificados se o utilizarem de maneira desleixada ou não apropriada.
2) Seja claro e consistente: não considere “favas contadas” que os alunos vão saber o que o professor ou a escola está pensando. É preciso alinhar bem do início as expectativas de todos. Tópicos como: para que o equipamento será usado, como será usado, em que situação, o que se espera atingir com isso, como se espera que os alunos se comportem, o que não será aceito, que tipo de retaliação pode ocorrer para quem não cumprir as regras, como os pais serão comunicados, enfim, é preciso abordar, detalhadamente, os pormenores de cada critério. Se deixarmos de listar as expectativas no início, os alunos irão explorar o equipamento de maneiras que ninguém pode antecipar. Seja explícito e não faça suposições. É totalmente válido, por exemplo, pedir que a forma de visualização da tela não seja alterada ou que os aplicativos que serão usados fiquem todos no mesmo lugar.
3) Comece pequeno: escolha dois ou três aplicativos ou programas para serem usados. Para evitar uma sobrecarga de opções, crie uma pequena lista com as opções de uso para esses aplicativos ou sistemas. Procure identificar os alunos que podem atuar como experts em relação aos aplicativos usados, assim, ao incluir um novo, você terá 3 ou 4 aliados em sala que podem atuar como monitores ou tirar dúvidas em relação a como usar.
4) Use em atividades regulares: ao invés de incluir uma tarefa completamente nova para “usar” os equipamentos, os utilize em alguma atividade regular. Por exemplo, utilize um app de “Atlas Geográfico” ao invés de uma apostila. Atividades simples ajudam a desenvolver a confiança no equipamento (a do professor e dos alunos) e no uso da tecnologia como ferramenta para o aprendizado.
Reconheço ser um baita desafio usar tecnologia em sala de aula. Mas penso ser inevitável que ela adquira em um ambiente educacional o mesmo status que tem no dia a dia da sociedade. Tentar impedir o uso só contribui para a mistificação e não ajuda em nada no preparo de futuros profissionais, que certamente precisarão usar estes equipamentos na sua rotina de trabalho.
Visão abrangente
setembro 10, 2015 § 3 Comentários
Um dos termos em inglês que mais acho interessante é “big picture” (ou sua variação “bigger picture”). É um daqueles termos estrangeiros que não tem muitos correspondentes em outras línguas. Como “saudade”, em português, é preciso entender o seu significado para que possamos compreender o seu real impacto quando colocado em uma frase.
“Big picture” não significa simplesmente “foto grande”, significa visão abrangente (ou a necessidade de abranger a sua visão). Significa expandir o seu entendimento e compreender as diversas relações de algo.
Mas, por que enxergar a “foto grande” é importante? Para compreender de verdade o motivo, é preciso perceber o seu alcance. Uma pesquisa bem abrangente coordenada pela Universidade de Stanford, chamada PERTS – Project for Education Research That Scales – algo como “projeto de pesquisa educacional escalável” – mediu o impacto do pensamento “big picture” em cerca de 1.360 graduandos do ensino médio (lá, a famosa high school), de baixa-renda de escolas públicas de regiões urbanas da Califórnia, Texas, Nova York e Arkansas.
Na primeira etapa de testes, os adolescentes sentavam-se a frente do computador e realizavam testes simples envolvendo subtrações matemáticas, vídeos no YouTube e o jogo Tetris. O objetivo era investigar a presença de uma forma de pensar específica, que chamaram de “aprendizagem com objetivo auto-transcedente”, que em português (ou inglês) claro significa uma forma de pensar que envolva a visão abrangente. Uma espécie de aprendizado “big picture”.
Os adolescentes com “objetivo auto-trancendente”, que concordaram, por exemplo, com declarações de cunho social como “quero me tornar um cidadão educado que pode contribuir para a sociedade” pontuaram mais em medidas como “coragem” e “autocontrole” do que colegas que só relataram motivos para aprender de cunho pessoal, como “conseguir um bom emprego” ou “ganhar mais dinheiro”.
Possivelmente você pensou o que eu pensei ao ler a pesquisa, “e daí?”. Daí, que os adolescentes mais “altruístas” eram também os menos propensos a sucumbir às distrações digitais, resolviam mais problemas de matemática e eram os mais interessados em se matricular em uma faculdade no ano seguinte. O motivo? Eles conseguiam enxergar a “big picture”.
Isto ficou mais evidente na segunda etapa de testes feitos com o mesmo grupo, que investigou se o fato de possuir um “senso de propósito” melhorava o rendimento em matemática e ciências. O grupo identificado como mais altruísta escrevia pequenas redações explicando porque não estudavam para simplesmente arrumar um emprego e porque queriam realizar algo relevante no mundo. Estas redações eram lidas pelos participantes mais individualistas em diversos períodos ao longo dos meses seguintes. Ao final do ano letivo, os pesquisadores avaliaram a performance dos adolescentes. Perceberam algo interessante em relação aos participantes mais individualistas, estes tiveram uma melhora nas matérias avaliadas de cerca de 20%. Ao checarem o motivo, descobriram que ao conseguirem “enxergar” além do “próprio umbigo”, os adolescentes desenvolveram uma maior capacidade de planejamento e organização do próprio tempo. O “senso de propósito” os auxiliou a tornarem suas mentes mais curiosas e adaptativas.
A pesquisa ajuda a perceber, no meu entendimento, a importância de pensar em como estruturar um ambiente de aprendizagem que possa estimular o desenvolvimento de mentes mais curiosas. Sem ela, as gerações futuras não terão possibilidade de resolver questões como mudança climática e desigualdade social ou lidar com os impactos da globalização nos locais aonde vivem. Impacta diretamente no tipo de sociedade em que viveremos em 10, 15 ou 20 anos. Instigar um “senso de propósito” para estimular uma visão mais abrangente e uma criticidade maior no pensamento, ao meu ver, é parte desse processo.
Futebol Universitário
julho 28, 2015 § Deixe um comentário
Alguém já imaginou uma tarde de sábado, Maracanã lotado (ou Minerão, Morumbi, Fonte Nova, etc.), para assistir uma final largamente antecipada pela crônica esportiva nacional durante a semana entre… USP e UERJ?
É possível que realmente nunca tenha passado pela sua cabeça uma “sandice” dessas, mas esta é uma realidade centenária em países como EUA, Canada e Reino Unido. Nestes lugares, a formação de um atleta profissional ocorre via instituições acadêmicas e não clubes esportivos. Há prós e contras (como em tudo na vida) em um modelo como este, mas com o nível em que chegou o “grande esporte nacional”, penso que é um bom momento para contestar as “verdades absolutas” e o modelo atual de formação de atletas.
Se em um primeiro momento esse assunto pode parecer um contrassenso em um espaço como este, a coisa muda de figura quando colocada na perspectiva correta. A indústria esportiva deve gerar um faturamento por volta de US$145 bilhões em 2015 (segundo o portal Statista, cujos algoritmos analisam mais de 18 mil fontes de dados). Isto a coloca ao lado de indústrias gigantes como a bélica, petróleo e gás, tecnologia e automobilística. Discutir o modelo de formação do atleta profissional não é um luxo do entretenimento, impacta diretamente na nossa participação em um dos maiores negócios do mundo (o que em tempos de crise, faz toda a diferença).
Para começar, vamos entender como funciona o modelo esportivo universitário. Existem 2 tipos de “programas” (que é a maneira como chamam nos países citados a implementação do modelo dentro de uma instituição), ambos amadores: “Varsity”, que são as modalidades esportivas oferecidas para prática dos alunos e membros da comunidade em que a instituição acadêmica se encontra (muito popular no Reino Unido) e “College”, que são as modalidades esportivas que oferecem bolsas de estudo aos seus participantes, como incentivo para que o atleta tenha um nível de dedicação, digamos, mais comprometido. A grande maioria dos atletas profissionais norte-americanos, por exemplo, veem do “College”.
Os programas esportivos universitários, em especial os do tipo “college”, estimulam o envolvimento da comunidade com a instituição acadêmica. O que começa como entretenimento esportivo evolui para interesse pelo conhecimento que a instituição produz, pela qualidade do seu corpo docente e do seu ensino, pelo sucesso (acadêmico e profissional) de seus alunos e ex-alunos, além de orgulho em fazer parte da história da instituição – uma das grandes fontes de receitas das universidades americanas, canadenses e inglesas veem das doações dos seus “aluminis” (ex-alunos). Não é raro que as provocações entre os torcedores de universidades rivais incluam número de prêmios Nobel e medalhas olímpicas conquistadas pela instituição.
Como se implementa este modelo? Como citei acima, já vem ocorrendo há séculos, portanto certamente não é possível replicar “ipsis litteris”, mas o pontapé inicial comum foi dado pelas próprias instituições, que combinavam entre si os eventos esportivos. É famoso o caso da criação do termo “soccer” para ilustrar os primeiros passos dos esportes universitários, cunhado pelo capitão da equipe de Oxford que para ridicularizar a preferência de outra instituição pelo tipo de futebol escolhido (o football association ao invés do rugby football) disse “aqui em Oxford não somos soccer (fazendo uma corruptela da palavra association), somos rugbier”.
Não nego que o modo de pensar da sociedade tenha influência na escolha e implementação do modelo esportivo – não é à toa que os países onde os esportes universitários se desenvolveram também sejam países que dão muita importância para a geração de conhecimento e propriedade intelectual. Também não nego que seja mais difícil esse modelo “pegar” aqui no Brasil – já que a grande paixão esportiva dos brasileiros é direcionada à clubes esportivos e não instituições acadêmicas. Mas penso que vale a pena olhar “com mais carinho” para a situação do nosso futebol e o nosso modelo escolhido para a formação de atletas.
Proponho a seguinte reflexão: o que seria mais saudável aos “nossos meninos”? Sair aos 15 ou 16 anos para o exterior, simplesmente para “fazer a fortuna” de algum dirigente ou empresário esportivo (muitas vezes abandonado à própria sorte quando não corresponde à aposta) ou estrear profissionalmente em um clube aos 22 ou 23 anos, mas com um diploma universitário no bolso e uma certa maturidade para conduzir a sua carreira? Para mim, não é necessária “segunda chamada”, a resposta é clara.
Engajamento para o aprendizado – parte 2
julho 21, 2015 § 2 Comentários
Segundo os pesquisadores Ming-Te Wang (Universidade de Pittsburgh) e Jacquelynne S. Eccles (Universidade de Michigan), historicamente costuma-se levar somente em consideração o comportamento dos alunos para medir o seu envolvimento. Eles acreditam que esta abordagem “não conta toda a história” e que é preciso incluir “na conta” a emoção e a cognição.
Os dois publicaram em 2013 um estudo que está entre as primeiras tentativas de se levantar dados que permitam explorar uma abordagem multidimensional do impacto do engajamento para o aprendizado. Uma das descobertas mostrou que os estudantes que consideravam os temas estudados relevantes e as atividades propostas significativas e correlacionadas aos seus objetivos, eram mais emocionalmente e cognitivamente engajados do que aqueles que, embora bem-comportados, não se interessavam tanto pelo que estavam estudando.
Wang e Eccles também descobriram que o ambiente educacional pode ajudar ou prejudicar o engajamento e tem um impacto maior do que a própria infraestrutura do local. Segundo eles, um ambiente positivo, que apoie o aprendizado, além de oferecer oportunidades para os alunos fazerem as suas próprias escolhas, deve proporcionar o suporte necessário para que os alunos saibam o que fazer e o que esperar do seu aprendizado.
Dependendo do nível acadêmico do aluno e do tipo de engajamento envolvido (comportamental, cognitivo ou emocional), a estratégia instrucional muda. Por exemplo, para aumentar o engajamento comportamental, reforçar as relações professor-aluno é mais eficaz do que aumentar o nível das tarefas acadêmicas. Para estimular o engajamento cognitivo, incluir temas que reflitam os objetivos e interesses pessoais dos estudantes tem mais impacto do que mudar o método educacional.
O uso de uma perspectiva multidimensional do engajamento permite que se tenha uma melhor compreensão do que fazer em um determinado contexto educacional. Em geral, o estudo identificou cinco principais fatores que contribuem para o envolvimento dos alunos: (1) clareza da expectativa, (2) coerência de atitude, (3) previsibilidade de reação, (4) apoio emocional e (5) apoio aos objetivos e interesses pessoais dos estudantes.
Um fator que se esperava que tivesse um impacto maior no engajamento, mas não o fez, foi a liberdade de escolha. No entanto, ela não deve ser menosprezada se quisermos estimular a habilidade de autoaprendizado, importante para o desenvolvimento posterior.
Veja como os fatores atuam de acordo com o tipo de engajamento:
Engajamento Comportamental: quando os professores são claros a respeito das suas expectativas, fornecem respostas consistentes e ajustam as estratégias de ensino ao nível do aluno, fornecem a estrutura que dá suporte a uma maior participação em tarefas acadêmicas (engajamento comportamental) e fomentam um sentimento mais forte de ligação à escola (engajamento emocional).
Engajamento Emocional: quando professores e alunos “criam” um ambiente de carinho e de apoio social, aumentam a propensão de engajamento emocional (e de quebra, comportamental). Os resultados do estudo Wang- Eccles adicionam evidência de que as percepções dos alunos sobre a natureza e a qualidade do ambiente social da escola são tão importantes quanto o ambiente acadêmico em si (tarefas acadêmicas e práticas de ensino) na promoção do envolvimento para o aprendizado.
Engajamento Cognitivo: o fator que o estudo mostrou que mais contribuiu para o engajamento cognitivo (a atenção dada ao aprendizado) foi a percepção da relevância do assunto em relação aos objetivos e interesses pessoais dos alunos. A motivação acadêmica flutuava com base em quão agradável eles achavam que uma tarefa seria, o quão útil entendiam que ela seria para o cumprimento de metas de curto e longo prazo e como percebiam que ela poderia atender às necessidades pessoais de cada um. De acordo com o estudo, a relevância também impacta no engajamento comportamental e emocional, mas em um grau muito menor.
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